Fico a pensar em todas as pessoas que estão trilhando o
doloroso caminho da descoberta dos impasses com o ser amado; todas as que
estão descobrindo defeitos, desencontros, impossibilidades
de
encaixes e de suplementação nas relações. Penso nos que
estão
tentando gostar já não mais conseguindo. Sofro com os que
colocam flores e esparadrapos na própria decepção ou no cansaço
de suas relações rotinizadas, robotizadas, endurecidas,
cristalizadas, congeladas.
Imagino a mulher se descobrindo em plenitude e liberdade
diante
de um homem que a desejava passiva e submissa.
Penso no homem aberto e idealista, descobrindo as ambições
burguesas e meramente de status ou segurança da mulher, num
mundo de
injustiça social e tanto por fazer.
Imagino a constatação dolorosa da afinidade sexual que já
não
chega ou se vai.
Sofro com a convicção crescente de que o impulso de amor
anterior não foi substituído por sentimentos verdadeiros.
Corroo-me do ácido do desamor.
Sangro com os ódios surgentes como face oculta da relação
antes
amorosa.
Rasgo-me com as descobertas dolorosas de que o antes amada é
a
antítese, o oposto, o outro lado.
Padeço com a diferença do ritmo de evolução abatendo-se
sobre os
amantes do meu bairro, do meu país e do meu mundo.
Vejo andamentos e aquisições vitais diferentes a motivar o
desencontro entre tantos amores antes parecidos possíveis.
Para onde vai toda essa energia amorosa que se acaba,
diminui ou
deriva? Em que jardim moram os momentos de amor impedidos
pelas
diferenças entre os casais? Como encontrar o potencial
amoroso
que se recolheu, derivou, foi introjetado ou projetado num
filho, numa causa nobre ou numa profissão? O mundo está cheio de
órfãos do amor quase possível. A cidade inteira está
chorando pelos amores jogados fora. Como não são biodegradáveis e não se
dissolvem, esses amores estão por aí ganindo nas noites ou
escorrem, melífluos, do olhar carente da gente que passa na rua.
Sim, há milhares de olhos mendigos pelas ruas. Eles estão
chorando pela perda da possibilidade de ter dado certo. Eles
também me
assaltam, desesperados.
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