Senso Crítico

Senso Crítico

domingo, 21 de janeiro de 2018

O Leque




Um homem consumido pela febre e pelas dores. Com uma angústia profundíssima porque verifica que a sua situação piora notavelmente a cada dia que passa.
Que faz esse homem para contrariar a febre que se vai apossando do seu ser, que o vai minando, que lhe vai destruindo as entranhas? Abana um leque junto da cabeça, nada mais. Combate o calor que lhe sobe ao rosto e que não passa da mais superficial das consequências do trabalho invisível e muito interior do terrível micróbio.
É um quadro patético. Teríamos vontade de rir, se não fosse, ao mesmo tempo, muitíssimo triste.
É, talvez, o quadro da nossa sociedade ocidental.
Há muito que aprendemos que a forma de resolver um problema consiste em descobrir-lhe a raiz e atuar nela. Eliminando o micróbio, acaba-se com a febre. O homem que abana o leque junto da cabeça parece não saber isto. Ou, então, não quer mesmo resolver o problema, por qualquer razão que não conseguimos entender.
Julgamos e condenamos os pedófilos. É, de certo modo, patético: um abanar de leque… Tem a sua utilidade, claro – alguma coisa temos de fazer para defender as nossas crianças -, mas não muito mais utilidade que a de abanar um leque junto de uma cabeça febril. Se não se for à raiz do problema, hão de vir a ser presas muitas mais pessoas e continuará a haver muitas vítimas pelo tempo fora…
Aquilo a que se chama pedofilia tem duas componentes fundamentais: a perversão da sexualidade e a utilização de outros seres humanos para satisfação própria. Era aí que devíamos travar a nossa batalha. Estes são dois males profundos da nossa sociedade, com outras manifestações, de resto, além daquela que agora nos assusta.
Temos admitido entre nós a pornografia, em diversas formas. Mas a pornografia desvirtua o sexo, e a pedofilia é uma das aberrações onde se pode chegar quando se desvirtua o sexo. Logo, será necessário eliminar a pornografia – e é apenas um exemplo – se realmente quisermos terminar com tudo isto. Não é razoável querermos uma coisa e não querermos as suas inevitáveis consequências. Não é possível, porque vivemos na realidade. Quem anda à chuva molha-se…
E a utilização dos outros, o dispor deles para os nossos interesses… é uma história antiga. Nisso já descemos ao mais fundo que era possível descer, quando permitimos que as nossas leis autorizassem o aborto.
Tínhamos eliminado a escravatura. Quase não havia pena de morte. Tínhamos construído hospitais e lares. Estávamos a elevar-nos. Mas, em poucas dezenas de anos, mergulhamos de tal modo que batemos com estrondo no fundo mais sombrio. Depois do aborto, nada será de espantar. Se continuarmos assim, um dia aceitaremos a pedofilia – dando-lhe outro nome, evidentemente, como quando chamamos ao maior dos crimes “interrupção voluntária da gravidez”.
Depois do aborto, por termos destruído o único alicerce em que se pode fundamentar a sociedade – o respeito incondicional e admirado pela vida humana – não é de espantar que todo o edifício social se desmorone.
Quem admite o aborto não tem sustento racional para condenar a pedofilia. Porque a pedofilia consiste em fazer o que se quer da criança que está fora do ventre da mãe, e o aborto consiste em fazer o que se quer da criança que está dentro do ventre da mãe. A essência do ato não muda só porque ele é realizado de uma forma menos visível. Permanece, como fundo, o uso da criança – da pessoa humana – como se fosse uma coisa.

A mesma mentalidade da escravatura…