Senso Crítico

Senso Crítico

domingo, 9 de agosto de 2015

Meu Querido, meu velho, meu amigo


Esses seus cabelos brancos, bonitos
Esse olhar cansado, profundo
Me dizendo coisas, um grito
Me ensinando tanto, do mundo...
E esses passos lentos, de agora
Caminhando sempre comigo
Já correram tanto na vida
Meu querido, meu velho, meu amigo

Sua vida cheia de histórias
E essas rugas marcadas pelo tempo
Lembranças de antigas vitórias 
Ou lágrimas choradas ao vento
Sua voz macia me acalma 
E me diz muito mais do que eu digo
Me calando fundo na alma
Meu querido, meu velho, meu amigo

Seu passado vive presente
Nas experiências contidas
Nesse coração consciente
Da beleza das coisas da vida
Seu sorriso franco me anima 
Seu conselho certo me ensina
Beijo suas mãos e lhe digo
Meu querido, meu velho, meu amigo

Eu já lhe falei de tudo,
Mas tudo isso é pouco
Diante do que sinto...
Olhando seus cabelos tão bonitos,
Beijo suas mãos e digo
Meu querido, meu velho, meu amigo

sábado, 8 de agosto de 2015

O Pequeno Dever


Há uma falta de sal em tudo, uma falta de cor, uma falta de encanto.
Perdemos qualidade. Nas canções, nas danças, na literatura, na pintura, na arquitetura… Os nossos heróis são pessoas vulgares que se pintaram, ou, então, canalhas por quem nos deixámos enganar.
Quando fazemos turismo, visitamos antigos monumentos ou os monumentos da natureza: há muito que não fazemos nada que mereça ser apreciado. As grandes obras desta época foram coisas destinadas a fazer dinheiro…
Quando lemos (de qualquer modo sempre preferimos um filme, porque dá menos trabalho e é mais rápido…), lemos os livros que estão na moda. A moda, porém, não resulta – principalmente nos dias que correm – de um critério de qualidade, mas de campanhas publicitárias bem estudadas, que se destinam… a fazer dinheiro. Os outros escolhem por nós. E recolhem todo o benefício.
Somos homens entretidos com o nosso conforto e com o nosso prazer. Esquecemos que devíamos fazer da nossa vida uma obra-prima; que estávamos aqui para encher uma medida; que tínhamos um caminho empinado para percorrer.
Recusámos a santidade – porque era trabalhosa – e, com ela, partiram a beleza, a poesia e o amor.
Devia ser a busca da santidade a levar-nos por dentro de nós mesmos até chegarmos a um estado de tensão e de beleza interior que nos possibilitasse produzir coisas belas. Mas assim, não: ninguém pode dar aquilo que não tem.
Esvaziámo-nos. E agora as nossas mãos desenham à nossa volta figuras vazias.
Já nem sequer somos verdadeiramente capazes de amar. Por termos deixado de lutar contra o nosso pior inimigo – que somos nós mesmos, aquilo que de mau existe em nós – não somos verdadeiramente senhores das nossas pessoas. E, por isso, não temos a capacidade de nos darmos aos outros – que isso é o amor.
Evitamos os compromissos sérios, fugimos das palavras que não têm retorno; fugimos, portanto, do casamento (e se não fugimos desfazemo-lo quando surgem dificuldades). E isso é outra manifestação de não sermos donos de nós mesmos, de não termos tido as vitórias interiores necessárias para sermos homens no verdadeiro sentido da palavra. Não somos livres.
Os santos e os heróis… reduzimo-los a bonecos de gesso, a estátuas de calcário fora de moda colocadas em igrejas ou praças. Não olhamos para eles. Admitimos – convém-nos admitir isso… – que não passam de lendas: como seria possível a existência de homens tão diferentes daquilo que agora vemos em nós e à nossa volta? Passamos por alto, com a maior das facilidades, os milhões de documentos históricos…
E, no entanto, a santidade não é nem impossível nem feita de coisas estranhas: constrói-se no dia-a-dia, com as coisas e as situações em que tocamos habitualmente. Um homem que admiro muito e que nasceu há cem anos escreveu, entre muitas outras coisas, isto: “Queres deveras ser santo? Cumpre o pequeno dever de cada momento: faz o que deves e está no que fazes”. (Josemaría Escrivá, “Caminho”, n.º 815)
Um sorriso amável no meio do cansaço, terminar bem uma tarefa profissional, deixar um objeto arrumado no seu lugar, fazer neste momento o que não deve ser adiado, optar pelos meios honestos, procurar a verdade de cada situação, prestar um pequeno serviço a quem está perto de nós. Hoje um pouco melhor do que ontem.

O pequeno dever de cada momento: não é preciso ir longe para chegar longe!

terça-feira, 4 de agosto de 2015

O Rei


Amanhã enterrareis no grande fosso as vossas máquinas. Será com as mãos que haveis de crescer. Eu sou o rei e assim decidi, pois é necessário que deixeis tudo aquilo que vos impede de ser homens. Eu, o rei, utilizarei apenas as mãos.
Amanhã começareis a demolir as cidades. Depois partireis e fareis aldeias nos cumes do vento e nas colinas verdes e nos campos banhados de sol. Vivereis do vosso esforço, à mercê das dificuldades de que vos tinham ensinado a fugir. E haveis de abraçá-las.
Tereis então necessidade de vos ajudardes uns aos outros, voltando assim a descobrir coisas antigas e profundas. Compreendereis como sois pequenos, e isso é uma condição importante para poderdes crescer: para poderdes vir não a ter coisas, mas a ser aquilo que a semente de vós deve originar.
Eu, que sou o rei, partirei à vossa frente, e convosco sentir-me-ei pequeno e fraco.
Não posso oferecer-vos facilidades, porque quero ver-vos sorrir. Forjei a minha lei, e ela será o rosto do vosso caminho e as paredes da vossa casa. Hei de conduzir-vos por onde não vos apetece ir, para vos levar até dentro de vós mesmos.
E quando tiver passado a dor de transformar-vos naquilo que tendes necessidade de ser, hei de olhar para vós como Deus olha a Primavera num dia de Maio; como a mãe olha para o filho que nasceu agora.
Porque eu, o rei, sou a vossa mãe e o chicote que vos fere a carne. Não hesito no caminho que vos digo: alicerço-me em pó de reis e na luz do alto e na voz do sangue. E no cantar dos poetas.
Eu, que sou o rei, sou também a vossa luz; e sou aquilo que dá sentido aos vossos esforços e aos vossos sonhos. Porque eu existo, podeis ser como uma só coisa, apesar das vossas diferenças.
Se não fosse assim viveríeis em constantes disputas, e não saberíeis ir numa mesma direção. Porque não seríeis um povo, mas um grupo de gente.
É o pastor que dá unidade às ovelhas. Chama-as em assobio, para que sejam mais do que ovelhas. E eu, que sou o rei, sou também esse pastor que sai de madrugada. Alegro-me convosco e sofro as vossas dores e sei o vosso nome. E faço de cada noite minha uma vigília, pois só me deito depois de apagardes as vossas luzes.
Eu, que sou o rei, sou homem como vós. Quero que saibais isto. No princípio envergonhava-me quando vínheis ajoelhar-vos diante de mim. E tinha vontade de ir a correr erguer-vos. Depois compreendi que devia também curvar-me perante aquilo que vem do alto e, para chegar a vós, tem de passar por mim.

Porque eu, o rei, sou apenas um transmissor e uma ponte, e ninguém obedece tanto como eu. Em mim deveis amar aquilo que vem através mim: o resto é quase nada e podeis esquecê-lo.