Senso Crítico

Senso Crítico

sábado, 30 de julho de 2011

O Meu País - Zé Ramalho

Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo
Um país que crianças elimina
Que não ouve o clamor dos esquecidos
Onde nunca os humildes são ouvidos
E uma elite sem deus é quem domina
Que permite um estupro em cada esquina
E a certeza da dúvida infeliz
Onde quem tem razão baixa a cerviz
E massacram - se o negro e a mulher
Pode ser o país de quem quiser
Mas não é, com certeza, o meu país
Um país onde as leis são descartáveis
Por ausência de códigos corretos
Com quarenta milhões de analfabetos
E maior multidão de miseráveis
Um país onde os homens confiáveis
Não têm voz, não têm vez, nem diretriz
Mas corruptos têm voz e vez e bis
E o respaldo de estímulo incomum
Pode ser o país de qualquer um
Mas não é com certeza o meu país
Um país que perdeu a identidade
Sepultou o idioma português
Aprendeu a falar pornofonês
Aderindo à global vulgaridade
Um país que não tem capacidade
De saber o que pensa e o que diz
Que não pode esconder a cicatriz
De um povo de bem que vive mal
Pode ser o país do carnaval
Mas não é com certeza o meu país
Um país que seus índios discrimina
E as ciências e as artes não respeita
Um país que ainda morre de maleita
Por atraso geral da medicina
Um país onde escola não ensina
E hospital não dispõe de raio - x
Onde a gente dos morros é feliz
Se tem água de chuva e luz do sol
Pode ser o país do futebol
Mas não é com certeza o meu país
Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo
Um país que é doente e não se cura
Quer ficar sempre no terceiro mundo
Que do poço fatal chegou ao fundo
Sem saber emergir da noite escura
Um país que engoliu a compostura
Atendendo a políticos sutis
Que dividem o brasil em mil brasis
Pra melhor assaltar de ponta a ponta
Pode ser o país do faz-de-conta
Mas não é com certeza o meu país
Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo

Diagnóstico - Paulo Geraldo


Muitos males da nossa época resultam de que não gastamos tempo em estar connosco mesmos, com os outros homens e com a natureza.
Os homens possuem a capacidade de pensar, mas não têm tempo de exercitar o pensamento. Poderiam pesar com sossego no seu coração as palavras, os gestos e os acontecimentos: crescer por dentro. Mas falta-lhes tempo. Seriam capazes de trocar sorrisos e de se ajudarem, de fazerem amigos, mas dedicam-se a outras coisas. Os homens correm…
Talvez suceda que para sobreviver neste gênero de sociedade se torne necessário correr… Mas ninguém repara em que aquilo que estes homens-que-correm produzem é cada vez menos… humano? (Aliás, mal há um pequeno progresso tecnológico são despedidos muitos deles, porque aquilo que faziam são coisas que uma máquina pode fazer). Acontece que esta descida de nível se nota nas leis, nos livros, nas canções…
Outrora, o homem tinha o seu pequeno reino – talvez pobre – onde era senhor. Crescia por dentro, dono de ser quem era, domando uma terra que lhe resistia, amparando-se em quem tinha ao lado, forjando laços, acariciando cordeiros e oliveiras, ouvindo Deus no vento, aquecendo-se ao fogo do lar.
E fazia canções e danças. E eram cheios de sentido as festas e os Domingos e as palavras.
O homem não é agora de lugar nenhum. Não vive com os outros. Cria e quebra laços com a facilidade resultante de esses laços não terem chegado a ser exatamente laços, por lhes faltar conteúdo. É superficial em tudo. Corre…
É uma peça dentro de uma engrenagem que não é humana. Não tem o seu reino. É, antes, forçado a buscar emprego como quem pede esmola. Será substituído ou eliminado – como agora pretendem com a eutanásia – assim que deixar de ser produtivo.
Trocou o seu senhorio por meia dúzia de atrativas comodidades. Disse qual era o seu preço e vendeu-se.
Esvaziou-se. E ao esvaziar-se perdeu o sentido de todas as coisas. Transformou o Natal em festa da família, e a família em antro de egoísmos. Do amor guardou apenas o prazer, desconhecendo agora que coisa seja amar. E, por ter perdido o amor, olha embaralhado para si mesmo e pergunta pelo sentido da vida.
Mas o homem tem a capacidade grande de analisar e de escolher. O homem não é um rio: pode regressar a lugares que ficaram atrás e apanhar do chão qualquer coisa que deixou esquecida à beira da estrada.
Se voltarmos a entrar dentro de nós mesmos, é certo que teremos de novo as cores de antigamente. Não podemos mudar tudo de um dia para o outro, mas há passos que podemos dar. Podemos cortar aquilo que no trabalho é exagerado, prescindir de certas comodidades (depressa compreenderemos que não nos eram necessárias), forçar-nos a tempos de sossego conosco mesmos, com os que amamos, com a natureza. Calar a televisão. Podemos descobrir o silêncio e tudo o que ele tem para nos dar. Podemos ler. E dar um passeio – só com o objetivo de passear – embora nas primeiras vezes nos sintamos a gastar tempo inutilmente.
E podemos experimentar a sério ouvir os outros. Ouvi-los mesmo, com interesse verdadeiro em saber o que têm dentro, como quando namorávamos e cada palavra tinha a importância de um monumento.

Pedra Filosofal - Antônio Gedeão


Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso,
em serenos sobressaltos
como estes pinheiros altos
que em verde e ouro se agitam
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma. é fermento,
bichinho alacre e sedento.
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel.
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra som televisão
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

Aos Nossos Filhos - Ivan Lins






Perdoem a cara amarrada
Perdoem a falta de abraço
Perdoem a falta de espaço
Os dias eram assim
Perdoem por tantos perigos
Perdoem a falta de abrigo
Perdoem a falta de amigos
Os dias eram assim
Perdoem a falta de folhas
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha
Os dias eram assim
E quando passarem a limpo
E quando cortarem os laços
E quando soltarem os cintos
Façam a festa por mim
Quando lavarem a mágoa
Quando lavarem a alma
Quando lavarem a água
Lavem os olhos por mim
Quando brotarem as flores
Quando crescerem as matas
Quando colherem os frutos
Digam o gosto pra mim

domingo, 24 de julho de 2011


Forjando sonhos (Juanito)

Houve um tempo
Em que meu mundo era pequeno
Suas fronteiras eram o horizonte
Preso dentro do olhar....
Meus sonhos eram meninos
Meus passos uma aventura
Sempre com hora prá voltar
Aos poucos houve a mudança
Meu mundo ampliou limites
Misterioso, desafiador, mutante
A desenhar seus caminhos
Sinuosos, sempre apontando adiante
Onde sentia que eu deveria estar...
Meus sonhos eram constantes
Nascidos de mente fértil
Tendo o coração por lar
Vieram então novos ventos,
Novos tempos...o presente
Maturando o menino, seus sentimentos
Onde os sonhos da minha mente
São homens que com sua força
Fazem meu mundo girar
Os meus sonhos me levaram
Muito além do horizonte
Buscando um nome, uma boca, um olhar
Parei de andar com meus passos
Tudo que há no caminho
São traços do coração
Que encontrou o que queria
Luz, vida, sentido, alegrias
Quando passou a te amar
Hoje não ando sozinho
Tenho você ao meu lado
Tudo que eu sempre sonhei
Desde os tempos de criança
Era amar e ser amado

QUERO VOLTAR A CONFIAR (ARNALDO JABOR)

Fui criado com princípios morais comuns: quando eu era pequeno, mães, pais, professores, avós, tios, vizinhos eram autoridades dignas de respeito e consideração. Quanto mais próximos ou mais velhos, mais afeto. Inimaginável responder de forma mal educada aos mais velhos, professores ou autoridades… Confiávamos nos adultos porque todos eram pais, mães ou familiares das crianças da nossa rua, do bairro, ou da cidade…

Tínhamos medo apenas do escuro, dos sapos, dos filmes de terror… Hoje me deu uma tristeza infinita por tudo aquilo que perdemos. Por tudo o que Meus netos um dia enfrentarão. Pelo medo no olhar das crianças, dos jovens, dos velhos e dos adultos.

Direitos humanos para criminosos, deveres ilimitados para cidadãos honestos. Não levar vantagem em tudo significa ser idiota. Pagar dívidas em dia é ser tonto… Anistia para corruptos e sonegadores… O que aconteceu conosco? Professores maltratados nas salas de aula, comerciantes ameaçados por traficantes, grades em nossas janelas e portas. Que valores são esses? Automóveis que valem mais que abraços, Filhas querendo uma cirurgia como presente por passar de ano. Celulares nas mochilas de crianças.

O que vais querer em troca de um abraço? A diversão vale mais que um diploma. Uma tela gigante vale mais que uma boa conversa. Mais vale uma maquiagem que um sorvete. Mais vale parecer do que ser… Quando foi que tudo desapareceu ou se tornou ridículo? Quero arrancar as grades da minha janela para poder tocar as flores! Quero me sentar na varanda e dormir com a porta aberta nas noites de verão! Quero a honestidade como motivo de orgulho. Quero a retidão de caráter, a cara limpa e o olhar olho-no-olho.
Quero a vergonha na cara e a solidariedade. Quero a esperança, a alegria, a confiança! Quero calar a boca de quem diz: “ temos que estar ao nível de…”, ao falar de uma pessoa. Abaixo o “TER”, viva o “SER” E definitivamente bela, como cada amanhecer. E viva o retorno da verdadeira vida, simples como a chuva, limpa como o céu de primavera, leve como a brisa da manhã! Quero ter de volta o meu mundo simples e comum.

Vamos voltar a ser “gente” Onde existam amor, solidariedade e fraternidade como bases. A indignação diante da falta de ética, de moral, de respeito... Construir um mundo melhor, mais justo, mais humano, onde as pessoas respeitem as pessoas. Utopia? Quem sabe?... Precisamos tentar… Quem sabe começando a encaminhar ou transmitindo essa mensagem… Nossos filhos merecem e nossos netos certamente nos agradecerão!