Um homem consumido
pela febre e pelas dores. Com uma angústia profundíssima porque
verifica que a sua situação piora notavelmente a cada dia que
passa.
Que faz esse homem
para contrariar a febre que se vai apossando do seu ser, que o vai
minando, que lhe vai destruindo as entranhas? Abana um leque junto da
cabeça, nada mais. Combate o calor que lhe sobe ao rosto e que não
passa da mais superficial das consequências do trabalho invisível e
muito interior do terrível micróbio.
É um quadro
patético. Teríamos vontade de rir, se não fosse, ao mesmo tempo,
muitíssimo triste.
É, talvez, o quadro
da nossa sociedade ocidental.
Há muito que
aprendemos que a forma de resolver um problema consiste em
descobrir-lhe a raiz e atuar nela. Eliminando o micróbio, acaba-se
com a febre. O homem que abana o leque junto da cabeça parece não
saber isto. Ou, então, não quer mesmo resolver o problema, por
qualquer razão que não conseguimos entender.
Julgamos e
condenamos os pedófilos. É, de certo modo, patético: um abanar de
leque… Tem a sua utilidade, claro – alguma coisa temos de fazer
para defender as nossas crianças -, mas não muito mais utilidade
que a de abanar um leque junto de uma cabeça febril. Se não se for
à raiz do problema, hão de vir a ser presas muitas mais pessoas e
continuará a haver muitas vítimas pelo tempo fora…
Aquilo a que se
chama pedofilia tem duas componentes fundamentais: a perversão da
sexualidade e a utilização de outros seres humanos para satisfação
própria. Era aí que devíamos travar a nossa batalha. Estes são
dois males profundos da nossa sociedade, com outras manifestações,
de resto, além daquela que agora nos assusta.
Temos admitido entre
nós a pornografia, em diversas formas. Mas a pornografia desvirtua o
sexo, e a pedofilia é uma das aberrações onde se pode chegar
quando se desvirtua o sexo. Logo, será necessário eliminar a
pornografia – e é apenas um exemplo – se realmente quisermos
terminar com tudo isto. Não é razoável querermos uma coisa e não
querermos as suas inevitáveis consequências. Não é possível,
porque vivemos na realidade. Quem anda à chuva molha-se…
E a utilização dos
outros, o dispor deles para os nossos interesses… é uma história
antiga. Nisso já descemos ao mais fundo que era possível descer,
quando permitimos que as nossas leis autorizassem o aborto.
Tínhamos eliminado a escravatura. Quase não havia pena de morte.
Tínhamos construído hospitais e lares. Estávamos a elevar-nos.
Mas, em poucas dezenas de anos, mergulhamos de tal modo que batemos
com estrondo no fundo mais sombrio. Depois do aborto, nada será de
espantar. Se continuarmos assim, um dia aceitaremos a pedofilia –
dando-lhe outro nome, evidentemente, como quando chamamos ao maior
dos crimes “interrupção voluntária da gravidez”.
Depois do aborto,
por termos destruído o único alicerce em que se pode fundamentar a
sociedade – o respeito incondicional e admirado pela vida humana –
não é de espantar que todo o edifício social se desmorone.
Quem admite o aborto
não tem sustento racional para condenar a pedofilia. Porque a
pedofilia consiste em fazer o que se quer da criança que está fora
do ventre da mãe, e o aborto consiste em fazer o que se quer da
criança que está dentro do ventre da mãe. A essência do ato não
muda só porque ele é realizado de uma forma menos visível.
Permanece, como fundo, o uso da criança – da pessoa humana –
como se fosse uma coisa.
A mesma mentalidade
da escravatura…
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