Contam que Pizarro,
o conquistador espanhol, pouco depois de desembarcar na América do
Sul com os seus homens, mandou queimar os navios que os tinham levado
até lá.
Estranha atitude,
que poucos se teriam atrevido a tomar, pois havia um oceano a
atravessar para regressarem a casa. Mas a verdade é que também não
foram muitos aqueles que deixaram o seu nome na História por terem
realizado feitos notáveis…
É certo que podemos
criticar as conquistas de Pizarro e a forma como as realizou, mas
este gesto concreto é, sem dúvida, valioso.
Conhecia a extrema
dificuldade da tarefa que perseguiam. Sabia que viriam perigos
incontáveis, terrores, mortes, doenças. Temia o desconhecido, que
se afigurava pavoroso. Conhecia os seus homens e conhecia-se a si
mesmo. Receava que – depois de uma derrota, perante o desânimo
provocado por algum obstáculo aparentemente intransponível –
pensassem apenas na forma mais rápida de chegar de novo à costa,
entrar nos barcos e regressar a casa.
Mas não admitia
outra coisa senão cumprir o objetivo. Cortou a retirada. E os navios
arderam. O único caminho, a partir de então, era em frente e até
ao fim. E conseguiu.
Conhecemos, decerto,
casamentos que correram mal e casamentos que correram bem.
Mas não é exatamente assim. Todos esses casamentos correram mal, no
sentido de que em todos houve, com toda a certeza, dificuldades
sérias, dessas que agora facilmente consideramos intransponíveis.
O que existiu foi
uma diferença de atitudes. Houve aqueles que tinham deixado uma
porta aberta, pelo menos dentro de si, e por ela se escaparam quando
tudo estava a ficar “insuportável”. E houve, por outro lado, os
que – por não admitirem outra solução – se empenharam em
resolver, dentro do único caminho que podiam conceber, os problemas
existentes. E a verdade é que os resolveram.
Todas as coisas
grandes e duradouras que até hoje se fizeram envolveram um acto
semelhante a este do conquistador espanhol. Envolveram a decisão de
fechar as portas à possibilidade de bater em retirada. Resultaram de
decisões que se mantiveram fortes como o aço ao longo do tempo,
perante a dor e o sofrimento e as dificuldades mais sérias.
Hoje quase não
somos capazes de nos abandonarmos ao amor. Não somos capazes de um
amor que seja inquebrável. Dizemos “quero-te para sempre” – e
somos sinceros – mas não somos capazes de manter o amor e a
palavra que dissemos. Tornamo-nos moles. Somos caricaturas de homens
e de mulheres, porque temos pouco de vontade forte, de liberdade
verdadeira.
Há, porém, uma
coisa que ainda podemos fazer para salvar o mundo, para resgatar um
pouco daquilo que destruímos. Podemos, pelo menos, tentar educar as
nossas crianças de forma a que elas venham a ser pessoas de palavra,
gente honrada, com uma lealdade a toda a prova, com forte
determinação. Tentar educá-los… tanto quanto é possível que
alguém que não dá exemplo eduque.
Podemos fazer isso.
Se eles vierem a ser capazes de constituírem lares sólidos,
famílias consistentes, a nossa vida não terá sido, apesar de tudo,
inútil.
Se calhar, o que
temos feito até agora foi procurar justificações para não termos
ido até ao fim do caminho. Tornamos o divórcio numa coisa natural,
para não nos sentirmos culpados. Seria belo que fôssemos agora
capazes de dizer: “errei, mas olha para mim e segue outro caminho”.