Recomeçaram as aulas. É tempo de retomar gestos
familiares, em desuso durante umas semanas. Tempo de estar de novo à frente de
um grupo desconhecido de alunos que esperam que lhes diga alguma coisa. Digo o
meu nome e nunca sei muito bem o que devo dizer a seguir, mas as coisas acabam
sempre por se comporem. Quando penso no que devo dizer, nunca digo aquilo que
pensei previamente. E já me deixei disso.
Felizmente, daqui a poucos dias já nos conheceremos
perfeitamente. Nunca precisamos de muito tempo para nos conhecermos bem… O que
não for dito agora virá mais tarde e permanecerá. Saberão – não é preciso que
lhes diga agora – que farei com que se cansem. Saberão que para chegar ao poema
é preciso exercitar antes a sintaxe e outras coisas aborrecidas. Hão de
queixar-se, mas eu terei vontade de rir quando vierem a descobrir,
surpreendidos, que são capazes do poema. Só lá para o 3º Período… Antes disso,
terão de escrever e apagar, escrever de novo, ouvir uma reprimenda, levar um
recado para os pais…
Recomeçaram as aulas. Há exatamente um ano eu era um ano
mais novo. Depois disso passaram 365 dias em que me encantei e me desencantei;
em que me cansei; em que aprendi o que gostaria de não ter aprendido; em que
descobri mais coisas que já não sou capaz de fazer. Envelheci. Mas os meus
alunos, cujos rostos ainda não sei associar aos nomes, têm os mesmos 13 anos de
há um ano atrás. É, de certa forma, estranho… O tempo passou por mim, mas não
por aqueles que se encontram agora sentados à minha frente.
É sempre assim. E, sempre que é tempo de suceder isto, eu
sei que o mundo está salvo. Enquanto houver jovens de 13 anos, o mundo está
salvo.
Porque as minhas alunas adoram crianças – quase todas
desejam ter, no futuro, profissões como educadora de infância ou médica
pediatra. Porque gostam imenso de animais e gostariam muito de praticar
equitação, se isso aqui fosse possível. Porque têm uma letra bonita e põem a
língua de fora enquanto escrevem a composição que lhes mandei fazer.
Porque os meus alunos são saudavelmente tontos, como é
próprio desta idade, mas têm neles um espaço para o sonho e para uma ambição
que não fechou ainda as portas à nobreza. Porque têm um dinamismo enorme e não
conseguem estar quietos durante muito tempo. Escrevem, no papel que lhes
entreguei, que tencionam tirar um curso superior, mas ainda não sabem qual… e
isso é delicioso.
Porque sabem dizer os seus defeitos e as suas qualidades
com uma clareza notável, e ainda não aprenderam muito bem a ocultar, a torcer,
a disfarçar.
Porque há ali vidas abertas a aprender, a ser mais, a ser
melhor.
Recomeçaram as aulas. E em cada um dos alunos deste grupo
– no meio do qual não me sinto perdido porque… afinal há muitos anos que os
conheço – há um sorriso, uma promessa e um mistério.
E encho-me de esperança, porque é possível que não
reparem muito em nós e no nosso mau exemplo. Porque pode acontecer que se
cansem da podridão que lhes servimos na televisão e se dediquem a ter amigos, a
ouvir música, a ler, a pintar, a escrever, a disparates sadios. Porque talvez
muitos deles encontrem ao longo dos próximos anos uma orientação para a sua
força, um norte para a sua ambição, um ombro para os seus desânimos: alguém sem
medo de lhes dizer a verdade sobre a vida, o amor, o sofrimento e a morte.
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