Já tinhas dito que sentias a morte perto. Tremia-te a voz
e tremiam-te as mãos e tinhas o corpo cheio de dores. Depois, enquanto a tua
imagem diminuía e se apagava diante do nosso olhar, crescias ainda mais nos
nossos corações.
Em ires até ao fim houve uma forma de nos gritares aquilo
que a tua voz já não era capaz de dizer.
Já de muitas maneiras te tínhamos agradecido, mas é
conveniente dizer-te de novo um obrigado imenso.
Porque só tu nos disseste a verdade.
Os outros disseram-nos aquilo que queríamos ouvir e
aquilo que nos agradava – pois queriam ganhar adeptos e lucrar com isso – mas
tu, como amigo sincero, não tiveste receio de usar as palavras verdadeiras.
Ainda que fossem duras, ainda que corresses o risco de ficar sozinho.
Porque, se o caminho real era empinado e agreste, não nos
indicaste outro mais à medida da nossa preguiça, da nossa avareza, da nossa
luxúria. Não quiseste enganar-nos. Disseste-nos como podíamos encontrar-nos conosco
mesmos e confiaste em que seríamos capazes de ser fortes.
Porque os outros quiseram enriquecer à custa de ficarmos
desnorteados, e tu quiseste tornar-nos ricos gastando o teu sangue e a tua
vida.
Porque o teu dia começava cedo e acabava tarde. Porque
tinhas, com tanta idade, a agenda tão cheia. Rezavas e trabalhavas, mas ao
rezares trabalhavas e ao trabalhares rezavas. Ninguém sabe dizer quando é que
descansavas.
Porque foi sempre para ti que olhámos em primeiro lugar,
quando os poderosos preparavam novas guerras nos lugares onde há petróleo,
quando o ódio derrubava edifícios, quando chegavam notícias de novos “avanços”
científicos que pareciam fantásticos, mas nos cheiravam a esturro.
Porque os teus olhos eram limpos e o teu sorriso era bom
e o teu coração bateu sempre ao lado do nosso.
Porque eras um dos nossos nas tuas vestes brancas. Porque
envelheceste cuidando de nós. Porque foste baleado por dizeres a verdade.
Porque não andavas mascarado, como os outros.
Porque não ficaste no teu palácio de Roma, mas vieste ter
conosco até aos cantos mais pequenos do mundo e quiseste aprender conosco e
sentir os nossos entusiasmos nobres. Porque quiseste falar-nos nas nossas
línguas.
Porque quando te apresentámos as nossas crianças tu as
beijaste e abençoaste sem fingimento, como quem faz uma coisa muito, muito
importante.
Porque quando olhavas para nós vias uma bondade e uma
força e uma beleza em que já não acreditávamos.
Porque o pequeno e o grande tinham um lugar do mesmo
tamanho no teu coração. Porque não te preocupaste apenas com os que te eram
próximos no pensamento, mas resolveste carregar sobre os teus ombros as dores,
as preocupações, os lutos e as lágrimas de todos os homens de todas as
religiões.
Porque guardavas no teu coração as nossas dores e sofrias
com elas e nós somos muitos. Porque de tanto te abraçares ao teu Cristo
crucificado te tornaste tão humano. Porque também escreveste as tuas poesias.
Porque salvaste tantas vidas. Porque trabalhaste pela
paz. Porque chegaste ao fim de um caminho tão longo cheio da juventude do amor.
Porque morreste repleto de obras e de sonhos, olhando para as tuas mãos, tão
cheias, com a impressão de as veres vazias.
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