Não há muitos dias, tive oportunidade de rever um filme
dos antigos: Spartacus, dirigido por Stanley Kubrick.
Ocasião para confirmar que antigamente – tal como hoje –
a corrupção se cola preferencialmente aos ricos, e que os pequenos são capazes
de coisas maravilhosas ainda que lutando contra tudo e contra todos.
É apenas um filme, sem dúvida. Mas aquela revolta dos
escravos – que existiu historicamente e colocou efetivamente em causa o
poderio romano – não teria sido o que foi se as coisas não se tivessem passado
desse modo, mais coisa menos coisa, pelo menos nos aspectos essenciais.
Ocasião, também, para lembrar certas cenas que já não
recordava exatamente e tinha fome de rever.
Uma delas sucede depois de os escravos terem perdido a
batalha final. Os sobreviventes estão sentados em grupo no chão, rasgados e
feridos. O comandante da Legião romana anuncia-lhes que escaparão à morte se o
informarem de qual deles é Spartacus, no caso de ainda estar vivo. E Spartacus
está realmente vivo, sentado entre os amigos.
O momento é de grande tensão. O realizador foca os olhos
do chefe dos revoltosos e os olhos de vários dos companheiros. Está muita coisa
em jogo: a vida de todos eles.
Eram amigos. Aqueles meses de contrariedades, lutas e
perigos vividos em comum tinha-os unido de tal forma que era como se formassem
uma só coisa. Agora os romanos queriam apenas o chefe…
Acontece por vezes que as grandes decisões se têm de
tomar em muito pouco tempo. Spartacus ergue-se para revelar a sua identidade. A
sua morte libertará os amigos. Mas quando vai dizer as palavras fatais, há um
companheiro que se levanta mesmo ali ao lado e diz: “Eu sou Spartacus”.
É mentira, mas ele di-lo. Talvez porque de alguma forma
seja verdade…
E logo outro homem se levanta, dizendo as mesmas
palavras. E outro. E outro… Depressa estão todos de pé diante do oficial. Todos
eles são Spartacus… e acabarão por morrer crucificados, um após outro, numa
fila de cruzes que encheu quilómetros de estrada até entrar em Roma.
Existe algo de grandioso na atitude de Spartacus, que se
entrega para salvar a vida dos amigos. Mas não é menos bela a reação dos
companheiros. E há qualquer coisa em tudo isto que nos atrai irresistivelmente,
porque o bem é atraente.
A lealdade consiste em não abandonarmos os nossos deveres
e compromissos; em não abandonarmos os nossos amigos e as pessoas que confiaram
em nós. É uma manifestação da grandeza da liberdade humana: leva-nos até ao fim
do caminho que escolhemos, apesar de todas as dificuldades e obstáculos.
Na cor aparentemente cinza de estarmos todos os dias
fielmente no nosso lugar, existe, escondido, o ouro daquilo que é sólido, firme
e verdadeiro. Um homem leal é como uma rocha. Transmite segurança e espalha luz
à sua volta.
Ao longo da História dos homens, como na cena do filme, a
lealdade conduziu muitas pessoas a grandes sofrimentos e, até, a uma morte
cruel. Mas, nos nossos dias, é uma virtude esquecida. Qualquer par de moedas,
qualquer novidade aparentemente vantajosa nos faz esquecer os deveres e nos
leva a quebrar os nossos laços, enchendo a nossa vida de traições a que nos
vamos habituando.
Talvez devêssemos ver mais vezes filmes antigos…
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