Damos demasiada importância a nós mesmos. Levamo-nos
demasiado a sério e daí resulta uma série de coisas desagradáveis para nós e
para os que convivem conosco.
É frequente que uma frase ou um gesto de outra pessoa
ganhe a nossos olhos o tom de uma ofensa. Somos doentiamente sensíveis neste
ponto. Se alguém cruzar conosco e não nos cumprimentar, ou se não nos
cumprimentar com um certo tom de voz, ou se não utilizar o sorriso que
esperávamos, logo entendemos que não nos estão a considerar como deviam. Se
discordarem de nós numa qualquer pequena coisa, colocamos imediatamente essa
atitude num plano de ofensa pessoal. Se não for possível darem-nos aquilo que
desejávamos, ou com a plenitude que desejávamos, isso significa que não gostam
de nós ou, até, que nos têm um ódio incompreensível. E se se esquecerem de uma
coisa que tínhamos pedido… Ou se o nosso aniversário não tiver desta vez uns
festejos tão brilhantes… Ou se nos fizerem uma crítica, mesmo com boa intenção…
Ou se não derem total atenção às nossas palavras…
Ficamos com essas “ofensas” cá dentro, na forma de
rancores, ressentimentos. Ou então – se compreendermos que guardar rancores é
como tomar veneno e esperar que assim a outra pessoa morra… – soltamo-los, à
primeira oportunidade, de mil maneiras diferentes, como quem dispara facas
afiadas.
Há talvez problemas na nossa vida que resultaram disto.
Tem havido guerras, de várias dimensões, com esta origem. Tem havido famílias
destruídas por causa disto.
Por que é que achamos que temos direito a tanta
consideração? Por que é que aquilo que consideramos os nossos direitos é, a
nossos olhos, tão importante?
Não somos o centro do mundo. Os outros, quando lidam conosco,
não têm nenhuma razão para terem uma impecabilidade e uma absoluta concentração
nos mais pequenos pormenores. É bastante razoável que estejam a pensar noutra
coisa. Que tenham os seus próprios problemas. Que estejam nesse dia com dor de
cabeça, ou que tenham um filho doente. É natural que lidem conosco como com
alguém igual a eles, e não como com Deus.
Somos, cada um de nós, um bicho da terra bem pequeno. Um
grão de areia. Menos que um grão de areia, em duração, porque nós vamos e os
grãos de areia ficam.
Somos apenas um de biliões de habitantes temporários
deste pequeno planeta, que dá voltas curtas em redor de uma insignificante
estrela que não passa de uma no imenso número das estrelas.
Quando nos sentamos a ver passar um rio, a verdade é que
é o rio que está a ver-nos passar. Porque, depois de nós, o rio estará ali.
Já nos disseram – mas não compreendemos – que nos
tornamos grandes e importantes e eternos quando nos damos aos outros sem
esperar nada deles. Sem desejar compensações. É talvez este o único direito que
devíamos estimar: o direito de não querer direitos.
É possível que uma maneira de nos libertarmos deste
egocentrismo (eu no centro), que nos afasta da felicidade e da grandeza, seja o
bom humor.
Devíamos rir até à gargalhada quando dentro de nós –
dentro do pequeno grão de areia – se ergue o rei ofendido, o nobre desconsiderado,
o deus incompreendido reclamando os seus direitos. Devíamos rir porque… é
ridículo. Devíamos rir como quando vemos, no Carnaval, a criança colocar um
bigode postiço sobre os lábios. Ou como quando vemos alguém levar de passeio
pela rua um cão que foi embrulhado num chapéu, numa camisolinha e nuns
sapatinhos…
Se ríssemos, talvez desabasse esse palácio artificial,
falso, sob o qual temos vindo a abrigar-nos.
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