O Natal já existia quando eu vim.
No princípio era haver mais bolos lá em casa, como nas
festas de aniversário, e também presentes. E era muito bom verificar que cabiam
na mesma casa, conosco, os avós, os tios e os primos. Havia um calor qualquer
que faltava no resto do ano. Um aconchego a que não sabia dar nome.
Depois, juntou-se a tudo isto o fato de o Natal acontecer
dentro dessa outra coisa maravilhosa que eram as férias. E ganhou ainda mais
encanto.
Mas chegou a idade de querer saber a razão funda das
coisas. Saí para a rua, onde as pessoas compravam e vendiam presentes
envolvidos em papéis de muitas cores. Mas os que compravam e vendiam não
souberam dizer-me o que desejava. Falaram-me de como tinham de correr muito
nessa época do ano; falaram-me de números e das poupanças que tinham feito; do
seu esforço e de como a vida não estava boa para dar prendas.
Nada sabiam acerca do Natal. Deixei-as nas suas absurdas
correrias e continuei a procurar. Nas ruas, as luzes não passavam de técnica
comercial e, no fundo, tudo estava muito escuro.
E fui ver as famílias, lembrando-me de como, em pequeno,
o Natal me rodeava quando estava com os meus. E vi como as famílias continuavam
a se juntar. E como continuavam a caber muitos numa casa pequenina. Mas ficavam
sentados, passando o tempo em frente da televisão. Havia monossílabos e gritos.
E compreendi que era apenas por hábito que se reuniam. Pareceu-me que tinham
perdido o Natal, conservando somente a roupagem do Natal. Era como se houvesse
o embrulho bonito do presente, mas sem presente dentro.
Achei as famílias disparatadas e saí de novo.
Foi só quando já não sabia onde procurar que tive a minha
resposta. Os meus passos vagabundos levaram-me até onde se tinham juntado
aqueles que sabiam de dores. Não recordo já se era hospital ou prisão. Ou uma
barraca de janelas abertas ao frio da noite. Uma mãe tinha perdido um filho. Outra
tinha um filho doente. Um homem jazia imóvel num leito e gemia não sei que
doença. Outro tinha um sonho grande e umas mãos pequenas, e sofria de não ser
capaz. Havia cegos e alguns que, vendo, desejavam ver de outro modo.
Não sei contar todos os casos, mas posso dizer que vi uma
oração nos lábios de cada um deles; nos olhos de cada um, uma lágrima e,
simultaneamente, um brilho de esperança. Os que podiam tinham-se ajoelhado –
era quase meia-noite – à beira de uns bonecos de presépio, entre os quais estava
o daquela que havia de ser mãe.
Uma mãe ainda sem o filho nos braços… mas era quase
meia-noite!
E compreendi: o Natal é só de quem há muito espera. De
quem ainda não se encheu. É só de quem sonhou além das coisas e se vê ainda
muito longe. É de quem tem chorado. De quem olha para dentro de si mesmo e
sente medo. De quem não encontrou ainda o seu consolo.
O Natal existe apenas onde existe a falta. Nós, que temos
tudo – que pensamos que temos tudo – sofremos da terrível pobreza de não
sabermos sequer que somos pobres.
O Natal não é para nós. Ainda não somos capazes de o
entender…
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