Senso Crítico

Senso Crítico

sábado, 1 de novembro de 2014

Virgo


Não quero usar-te. Não tenciono ganhar experiência à tua custa. Não quero que sejas um episódio na minha vida, nem desejo estar de passagem pela tua.
Não penso que a vida seja uma brincadeira, embora se possa brincar com quase tudo. Sou ainda novo e tenho muito que descobrir, mas aprendi a amar aquilo que é sólido e permanece. Sou demasiado ambicioso para querer menos que o máximo, e não trocarei o meu sonho por ilusões, ainda que sejam doces e agradáveis.
Estabeleci para a minha vida ter filhos e fazer da educação deles, da tarefa de fazer deles homens, o grande sentido do tempo que me for dado para estar aqui. Outros terão objetivos diferentes, mas foi com isto que sonhei. Quero edificar uma casa sólida que dure séculos. Nela crescerão os meus filhos e os filhos dos meus filhos… até vir a ser, com o tempo, uma bela cidade. No meu sonho, vi a miudagem correndo à beira de um ribeiro, com os olhos limpos, traquinas e alegres.
Por isso, embora sinta isto que sabes que sinto, embora sintas aquilo que sei que sentes, talvez se torne necessário dizer-te, e dizer-me, que pode não chegar o dia em que troquemos palavras de amor.
Mas esta carta pode também ser o alicerce do belo edifício que construiremos juntos e há de permanecer para sempre.
Tens ainda tempo para vires a ser como te sonhei; tenho ainda tempo para me tornar merecedor de te ter como te sonhei.
Torna-te toda mistério e luz.
Luz porque quero ver-te inteira – sem névoas nem disfarces nem complicações – quando te olhar nos olhos; mistério porque quero que cresças por dentro, em silêncio, e te enchas, em segredo, daquelas riquezas que só se devem manifestar quando nos entregamos a alguém para sempre.
Enfeita-te interiormente, sobretudo. Como a flor para a qual não chegou ainda a Primavera e vai preparando recatadamente as suas cores e os seus aromas.
Demora-te no teu tempo e não permitas a pressa. E ajuda-me a não ter pressa.
Veste vestidos compridos, se puderes, e não saias curtas ou calças apertadas. Sempre me pareceu que certas formas de vestir não são senão a manifestação de um vazio interior muito grande. Algumas que vejo passar na rua fazem-me lembrar montras de talhos…
Aquela que vai para a rua mostrar as formas do seu corpo atrai os homens que procuram na mulher um corpo, e assim se torna semelhante à prostituta. E assim se desgraça e os desgraça. Assim passa de mulher a corpo de mulher, tornando-se infinitamente menor do que devia ser.
Mas eu quero que sejas do tamanho de seres mulher. Quero que sejas forte.
Porque, embora possa não parecer, sei que sou frágil. E aquela que há de ser a mãe dos meus filhos fará a meu lado toda a aventura da vida, e será a minha força e os muros da minha cidade e o ombro para o meu cansaço.
“Virgo” era a palavra que, no meu sonho, encontrei inscrita numa pedra de umas ruínas que bem podiam ser as ruínas do mundo. Por ela me apaixonei.

Vim mais tarde a saber que significa “virgem” e já não era muito usada. Disseram-me que tem, em latim, a mesma raiz da palavra “força”.

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