Não quero usar-te. Não tenciono ganhar experiência à tua
custa. Não quero que sejas um episódio na minha vida, nem desejo estar de
passagem pela tua.
Não penso que a vida seja uma brincadeira, embora se
possa brincar com quase tudo. Sou ainda novo e tenho muito que descobrir, mas
aprendi a amar aquilo que é sólido e permanece. Sou demasiado ambicioso para
querer menos que o máximo, e não trocarei o meu sonho por ilusões, ainda que
sejam doces e agradáveis.
Estabeleci para a minha vida ter filhos e fazer da
educação deles, da tarefa de fazer deles homens, o grande sentido do tempo que
me for dado para estar aqui. Outros terão objetivos diferentes, mas foi com
isto que sonhei. Quero edificar uma casa sólida que dure séculos. Nela
crescerão os meus filhos e os filhos dos meus filhos… até vir a ser, com o
tempo, uma bela cidade. No meu sonho, vi a miudagem correndo à beira de um
ribeiro, com os olhos limpos, traquinas e alegres.
Por isso, embora sinta isto que sabes que sinto, embora
sintas aquilo que sei que sentes, talvez se torne necessário dizer-te, e
dizer-me, que pode não chegar o dia em que troquemos palavras de amor.
Mas esta carta pode também ser o alicerce do belo edifício
que construiremos juntos e há de permanecer para sempre.
Tens ainda tempo para vires a ser como te sonhei; tenho
ainda tempo para me tornar merecedor de te ter como te sonhei.
Torna-te toda mistério e luz.
Luz porque quero ver-te inteira – sem névoas nem
disfarces nem complicações – quando te olhar nos olhos; mistério porque quero
que cresças por dentro, em silêncio, e te enchas, em segredo, daquelas riquezas
que só se devem manifestar quando nos entregamos a alguém para sempre.
Enfeita-te interiormente, sobretudo. Como a flor para a
qual não chegou ainda a Primavera e vai preparando recatadamente as suas cores
e os seus aromas.
Demora-te no teu tempo e não permitas a pressa. E
ajuda-me a não ter pressa.
Veste vestidos compridos, se puderes, e não saias curtas
ou calças apertadas. Sempre me pareceu que certas formas de vestir não são
senão a manifestação de um vazio interior muito grande. Algumas que vejo passar
na rua fazem-me lembrar montras de talhos…
Aquela que vai para a rua mostrar as formas do seu corpo
atrai os homens que procuram na mulher um corpo, e assim se torna semelhante à
prostituta. E assim se desgraça e os desgraça. Assim passa de mulher a corpo de
mulher, tornando-se infinitamente menor do que devia ser.
Mas eu quero que sejas do tamanho de seres mulher. Quero
que sejas forte.
Porque, embora possa não parecer, sei que sou frágil. E
aquela que há de ser a mãe dos meus filhos fará a meu lado toda a aventura da
vida, e será a minha força e os muros da minha cidade e o ombro para o meu
cansaço.
“Virgo” era a palavra que, no meu sonho, encontrei
inscrita numa pedra de umas ruínas que bem podiam ser as ruínas do mundo. Por
ela me apaixonei.
Vim mais tarde a saber que significa “virgem” e já não
era muito usada. Disseram-me que tem, em latim, a mesma raiz da palavra
“força”.
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