Havia pouca gente no estabelecimento quando entrei.
Enquanto tomava o meu café pude assistir com sossego ao acontecimento, cuja
importância fui compreendendo. Era o jogo das pedrinhas. A menina tinha talvez
três anos e estava sentada sobre o balcão. Um senhor, que parecia ser o pai, estava
diante dela e tinha de adivinhar em qual das mãos tinha a menina colocado uma
pedra pequenina. Ela, com os braços atrás das costas, sem que o pai pudesse
ver, deixara a pedra numa das mãos, e agora estendia-as ambas, fechadas, para que
o pai adivinhasse.
O pai escolheu uma das mãos, mas não acertou. Foi isso o
que a criança lhe disse, começando imediatamente a preparar-se para repetir o
jogo. Mas o pai pediu-lhe que abrisse as duas mãos com as palmas para cima. Era
preciso que ela apresentasse a prova de que o pai não tinha acertado…
O senhor partiu do princípio de que a filha podia estar a
mentir. Não estava… mas abriu as mãos.
Enquanto tomava o meu café assisti ao instante exato em
que aquela menina aprendeu que não era merecedora de confiança, que não acreditavam
nela, que a sua palavra não tinha valor. Que esperavam dela que fosse capaz de
enganar os outros para alcançar os seus objetivos.
Aos três anos. Num jogo. Com o pai.
Muito se poderia dizer acerca das mentiras das crianças
ao longo do seu desenvolvimento – muitas vezes relacionadas com a aprendizagem
de o que é a realidade e o que é a imaginação. Mas este caso não tem relação
com isso.
Enquanto tomava o meu café pareceu-me estar a assistir a
um exemplo concreto de como se colocam minas nos alicerces do mundo. “Estamos
todos num mesmo barco, em mar tempestuoso, e devemos uns aos outros uma
terrível lealdade”, escreveu Chesterton. Essa lealdade é necessária nos
fundamentos da convivência entre os homens.
E lembrei-me de como os antigos tinham tão elevada estima
pela sua honra que a defendiam com unhas e dentes, de como consideravam uma
desgraça a sua perda.
A honra de uma pessoa é o reconhecimento de que essa
pessoa é íntegra e digna de confiança. Não como consequência de uma campanha
artificial, como agora se consegue através da publicidade e da propaganda, mas
como resultado de um longo e constante esforço por ter um comportamento correto.
O mundo é uma selva, e isso conduziu-nos à desconfiança.
Desconfiamos por princípio, por hábito, por medo, por insegurança, por
prudência. Desconfiamos sempre. Se alguma vez confiamos, passamos muito
possivelmente pela amargura de sermos enganados. Desconfiamos porque a nossa
experiência de vida nos levou a desconfiar. Aprendemos com os nossos erros e
fazemos muito bem.
Fazemos muito bem… desde que não queiramos fazer nada
para mudar o mundo, desde que estejamos contentes com a selva que nos rodeia,
desde que não nos importemos com ferir as pessoas que estão ao nosso lado.
Porque é preciso que tomemos consciência de que ofendemos uma pessoa quando
partimos do princípio de que ela não é digna de confiança. E de que essa ofensa
é sentida muito mais vivamente se essa pessoa for jovem. Não há melhor forma de
fazer de uma criança um mentiroso do que desconfiar dela. E confiar nela é
necessário para que venha a ser um adulto verdadeiro.
Nas crianças devemos confiar sempre. Ao lidar com elas
estamos a construir o mundo. Devem crescer com a noção de que se espera delas a
verdade, a nobreza, a dignidade. Devem saber que é isso o normal, embora exija
esforço.
Querem ser boas, querem aprender, querem ser gente a
sério. São o que de melhor há no mundo. Têm os olhos limpos, o coração limpo e
as mãos limpas. Acreditemos nelas. Se alguma vez nos enganarem, não há o risco
de que entendam esse comportamento como normal, porque se hão de lembrar de que
confiamos nelas. Não pensarão: “toda a gente faz isto”. Sentir-se-ão mal. Terão
pena. Voltarão à verdade.
Mesmo que tenhamos sérias dúvidas, será melhor
deixarmo-nos enganar do que lançar sobre elas a suspeição, que magoa e marca e
arruína. Pode perder-se qualquer coisa, mas é muito mais – e está noutro plano
– aquilo que se ganha.
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