Não gostamos de que
nos digam o que devemos fazer. Preferimos que os outros se metam
apenas na sua vida e que não nos deem conselhos. Vamos pelo
nosso caminho, muito direitos e com o nariz no ar, respirando os
ventos de uma liberdade que nos livrou de séculos de pó e bafio,
que libertou de rótulos e grilhetas os nossos atos, tornando-os bons
pelo simples fato de serem nossos.
A moral, que
indicava regras de comportamento, passou de moda. Os amigos – por
serem agora pessoas a quem não admitimos intromissões no sentido
que damos aos nossos passos – passaram a ser apenas aqueles que
circunstancialmente nos acompanham na paródia: paisagem fugidia de
uma viagem alucinante.
Passamos, quase
todos, a viver em cidades enormes, onde se tornou muito fácil
proteger a nossa liberdade de olhares alheios. Ninguém nos conhece,
ninguém tem tempo para se desviar por nossa causa, todos andam
igualmente ocupados com o seu direito à liberdade.
A moral indicava
quais os comportamentos que eram bons e quais os que se deviam
evitar. E para que servia isso? Não era para nos encher de sombras e
culpas: uma coisa assim não teria alcançado a importância que a
moral alcançou, porque sempre apreciamos a alegria. Não era para
nos tolher a liberdade, pois sempre a amamos; sempre por ela os
homens morreram, como a História mostra fartamente.
Atos bons e maus…
para quê? Para a felicidade. Acreditava-se – e muitos ainda hoje
acreditam… – que a felicidade que é possível ter enquanto se
passa por este planeta tem uma relação íntima com os
comportamentos. Comportamentos corretos – de acordo com a nossa
natureza humana – resultam em olhos limpos, em alegria na alma. Mas
era preciso identificar o correto entre uma multidão de
possibilidades, de apetites, de ideias, de sentimentos, de opiniões.
A moral era, assim,
uma arte de viver, um mapa do tesouro, um caminho seguro por entre
escolhos. Resultava de séculos e séculos de experiência. Sabia-se
que proceder de certa forma conduzia a determinados resultados. Que
atrás de certas portas de bela aparência se escondiam abismos
tenebrosos de onde dificilmente se regressava. Havia a experiência
de que os melhores caminhos eram aqueles que subiam quase sempre,
muitas vezes por entre espinhos que arrancavam pedaços da carne.
Não gostamos de que nos digam o que devemos fazer… a não ser que
estejamos perdidos, ou desorientados, e queiramos muito chegar a um
certo lugar. Agradecemos que alguém tenha colocado na estrada uma
placa que indique o caminho a seguir até onde queremos chegar. A
moral servia para isso. As pessoas perguntavam: “Que devo fazer
nesta situação?; Será bom fazer isto que agora me apetece?”.
Perguntavam como quem pergunta o caminho para certo lugar. Queriam
ser felizes.
E eram livres, sim.
Homem livre é aquele que quer ir a um lugar e procura o caminho, e
vai mesmo que encontre obstáculos e dificuldades.
A tristeza é um
sinal evidente de que andamos perdidos. Não a tristeza passageira
que, sem o podermos evitar, nos enche os olhos de lágrimas,
mas a outra: a desilusão crónica, o descontentamento permanente; a
falta de sentido profundo para os êxitos e para os fracassos, para
as dores e para o bem-estar, para as coisas pequenas e para as
grandes.
Costumas ver –
pela rua, em casa, no trabalho – muitas pessoas a transbordar
felicidade?
Qualquer que tenha
sido o trajeto percorrido, chegamos a um estado no qual se pretendeu
desvincular a felicidade do comportamento. A felicidade foi
associada, em vez disso, a ter coisas, a ter comodidade, a ter
prazer. O que se conseguiu com isso foi esta multidão feita de
pessoas tristes, apesar do altivo aspecto exterior. E uma vida
superficialmente mais fácil, mas dolorosamente amarga no interior do
coração: tantos suicídios, tanta droga, tanta necessidade de
barulho e de agitação, tantas pessoas incapazes de estarem a sós
consigo mesmas…
Ainda dizemos aos
nossos filhos “Não faças isso”, mas já o dizemos sem
convicção, visto não admitirmos que alguém nos diga isso a nós.
Cada vez mais o dizemos apenas para evitar que façam coisas que nos
incomodem, e não para que venham a ser felizes…
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