Um
dos engenheiros de software do Google enviou a toda a companhia um
memorando em que afirmava que a empresa criou uma “câmara de eco
ideológica”. “O Google”, escreveu ele, “possui uma série de
preconceitos, e a ideologia dominante tem silenciado a discussão
honesta sobre estes preconceitos”. A resposta do Google às
afirmações do memorando consistiu, por um lado, em rebatê-las por
palavra, proclamando o seu comprometimento com a diversidade e o
diálogo aberto, e a
confirmá-las, por outro, demitindo o engenheiro que as formulou.
Se
você não enxerga a ironia da situação, então você tem
provavelmente a mesma mentalidade que a “ideologia dominante” das
universidades, dos meios de comunicação e das corporações – em
particular, da indústria tecnológica – de hoje. Mas se você foi
capaz de perceber a inconsistência da resposta do Google, então é
provável que já tenha notado uma certa epidemia de “duplipensar”
(termos orwelianos talvez se tenham desgastado pelo uso, mas isso só
foi possível porque eles são cada vez mais apropriados à nossa
realidade.
A
controvérsia em torno do memorando do Google é só mais um exemplo
de como o mundo nos diz que devemos ser tolerantes e acolhedores,
permitindo que todas as opiniões e estilos de vida sejam expressos e
vividos….a menos que a sua opinião ou estilo de vida entre em
conflito com os temas dominantes da sociedade secular, em cujo caso
você será publicamente desprezado, e o seu sustento e a sua honra
correrão sérios riscos.
Querem
fazer-nos crer, como
diz uma recente representação do seriado Sherlock Holmes, que “Deus
não passa de uma fantasia absurda, concebida para dar alguma
oportunidade profissional ao idiota da família”. E quem o diz são
as mesmas pessoas que sugerem, com toda seriedade, ser possível que
estejamos vivendo uma simulação do tipo “Matrix”.
Insistem
que a criança no ventre materno não é uma pessoa humana, embora já
tenha orientação sexual firmemente determinada, mas não a própria
“identidade de gênero” (trata-se, é claro, de um conjunto
metafisicamente inconsistente de afirmações; mas, dizem-nos, a
metafísica foi destruída de vez pelos filósofos iluministas, ainda
que não nos expliquem como, exatamente, eles lograram tal efeito).
Dizem-nos
que, para sermos saudáveis, precisamos sacrificar-nos, ter
disciplina, que precisamos ser, efetivamente, atletas em treinamento
(ou, como diríamos em grego, ascetas); nada de gordura saturada;
nada de xarope de milho com altas doses de frutose; distância total
dos carboidratos e do glúten; nem pensar em organismos geneticamente
modificados ou vegetais com agrotóxicos – pelo contrário, como
enormes quantidades de couve e de pescado sustentável, e você
viverá para sempre. Na verdade, dizem eles, deveríamos sobretaxar
ou banir por completo as chamadas “porcarias”, e é assim que, de
uma hora para outra, o preço do seu refrigerante aumenta 12%. No
entanto, à mera sugestão de que outros tipos de apetite devem ser
moderados e controlados – como por exemplo o apetite sexual, que
afeta não apenas a saúde e bem-estar das pessoas envolvidas no ato,
mas tem ainda o potencial de gerar ali mesmo um novo ser humano –
responde-se com uivos de: “Deixe o governo fora do meu quarto!” E
quando perguntamos por que razão o governo teria direito de se
intrometer na sua cozinha, mas não no seu quarto, a única
resposta que podemos esperar são zombarias.
A
expressão “hipocrisia” é frequentemente mal empregada, ou
melhor dizendo, utilizada de forma imprecisa. Um hipócrita, na
maioria das vezes, é visto como alguém que não vive à altura dos
ideais que ele mesmo professa; esta caracterização, no entanto,
parece insuficiente. Ninguém segue com perfeição o próprio código
penal. De fato, todos somos pecadores, necessitados de misericórdia
e da graça de Deus. Ora, se esta definição de hipócrita abrange
todo o mundo e não é capaz de descrever algum atributo constitutivo
da natureza humana, então ela não é lá muito útil. Mas se
acrescentarmos a ela um outro elemento, as coisas começarão a ficar
mais claras. Um hipócrita, com efeito, não é apenas o sujeito que
diz “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. O
hipócrita é aquele que diz “eu tenho permissão de fazer isto,
mas você não”. Os hipócritas aplicam às outras pessoas
Os hipócritas aplicam às outras pessoas critérios distintos dos
que eles aplicam a si mesmos. Não se trata, portanto, de fracassar
em observar as próprias regras; é uma questão de querer submeter
os outros a um conjunto de regras diferente daquele a que o hipócrita
mesmo se submete.
É
justamente isto que verificamos nos exemplos acima. Em todos eles, as
pessoas pensam ser perfeitamente coerente agir de forma incoerente. É
em nome do diálogo aberto que o Google manda um funcionário embora,
pelo simples fato de ele querer ter um diálogo aberto. Chamam a Deus
uma “ideia absurda”, e ao mesmo tempo propõem como modelo
explicativo do mundo uma ideia flagrantemente absurda. Afirmando que
os fetos ainda não são seres humanos, o pensamento social da moda
reconhece no feto, não obstante, determinadas características que
só um ser humano poderia ter. Exigindo liberdade de toda e qualquer
coação externa, o ativista pretende policiar nos mínimos detalhes
a dieta alheia.
Ora,
a raiz dessa hipocrisia não é senão o desejo de controlar os
demais. Os hipócritas desejam que todos cumpram a cláusula do
contrato, enquanto eles mesmos vivem livres e desimpedidos de
qualquer obrigação. Os hipócritas tendem a usar o “plural não
inclusivo” — noutras palavras, quando dizem “nós”, o que na
verdade estão dizendo é: “vocês todos, menos eu”. A classe
política, só, poderia oferecer-nos uma multidão de exemplos: há
os que se opõem à isenção de impostos para ricos e, ao mesmo
tempo, fazem de tudo para contornar a taxação e, assim, pagar muito
menos do que o “povo trabalhador” que eles dizem representar; há
os que elaboram leis de seguridade médica que oprimem a população
com planos de saúde obrigatórios e impagáveis, reforçados ainda
por cláusulas penais contra os inadimplentes, planos porém de que
eles mesmos estão isentos; há os que dão a volta no mundo em seus
jatos particulares, denunciando a emissão de gases e o desperdício
de recursos; há ainda os que negam a concessão de cheques escolares
e tecem loas ao sistema público de educação, quando os seus
próprios filhos frequentam colégios particulares caríssimos. E a
lista poderia crescer indefinidamente.
Em
nome da liberdade, impõe-se a conformidade. É a “ditadura do
relativismo” de que falava o Papa Emérito Bento XVI. É
a ascensão da classe dos tecnocratas, que modelariam uma humanidade
nova, enquanto eles mesmos permanecem intocados, inalterados,
desimpedidos,
como já prenunciava C. S. Lewis em A
Abolição do Homem.
Só uma visão alternativa, que arraste consigo os corações com a
força da verdade, do bem e da beleza, pode fazer frente a tudo isso:
uma visão do homem como imagem de Deus, digno em si mesmo, valioso,
inestimável, criado para unir-se ao seu Criador. Assim entendido, o
homem não pode ser controlado ou manipulado; antes, tem o direito de
amadurecer, o que não vai acontecer enquanto o obrigarem a viver à
base de couve.
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