Comentário do autor, Cristian Derosa:
A
“performance” apresentada no Museu de Arte Moderna de São Paulo
(MAM) que expôs um homem nu à apreciação de crianças e
adolescentes gerou protestos, mas a jornalista Rita Lisauskas, do
Estadão, reagiu, no Twitter,
com ironia à justa indignação do público. Em sua mente
“jornalisticamente correta”, soa absurdo que alguém tente
“cercear” uma “livre expressão”, mesmo que seja criminosa ou
pedófila, pelo simples fato dessas expressões representarem, para o
meio jornalístico do qual ela faz parte, a mais excelsa e intocável
arte. Certamente, para ela, toda a sociedade deve aceitar, em
silêncio, abusos de crianças em museus e escolas e o grande vilão
que a sua mente jornalística consegue visualizar é o MBL (Movimento
Brasil Livre), o maior grau de conservadorismo que ela consegue
perceber.
Rita
Lisauskas é apenas mais um exemplo, entre centenas de jornalistas,
do que aponto no presente artigo.
Redações
em espiral: a sociologia do jornalismo
Em
uma época em que o reforço psicológico e a autoafirmação
fazem as vezes de valores morais, não há maior apóstolo da
credibilidade jornalística do que o próprio jornalista. Ele é,
portanto, a vítima mais indefesa e mais submetida às forças
psicológicas que se distribuem pela sociedade contemporânea. E,
portanto, a quem menos se deve dar crédito.
Toda
a vida moderna gira em torno da socialização, do afago a egos cada
vez mais sedentos de confirmação, a autoimagens hipersensíveis e à
beira do pânico diante da possibilidade de rejeições e do medo do
isolamento, que representaria a morte social. O autoengano, neste
sentido, torna-se uma prática diária de sobrevivência.
O
sociólogo David Riesman diagnosticou esse fenômeno em sua obra A
multidão solitária,
publicado na década de 1950, no qual destacava a ascensão de um
novo caráter social que chamou de alterdirigido,
isto é, dirigido pelo outro. Desde a época das suas primeiras
observações a respeito, o foco no ambiente social aumentou
drasticamente. Hoje, ninguém pode estar totalmente imune ao juízo
público. Nas palavras da politóloga Elisabeth Noelle-Neumann, quem
mostra-se indiferente à opinião pública é ou um louco ou um
santo.
Se
estamos todos individualmente submetidos a essa pressão latente, um
dos principais veículos responsáveis por disseminar a
homogeneização das opiniões e crenças é a grande mídia,
representada especificamente pelos meios noticiosos ou pretensamente
informativos. Esses meios possuem, eles próprios, um ambiente no
qual são produzidas as informações como atividade profissional,
mas também social. Assim como nas ruas, nas repartições, no ponto
de ônibus, na fila do banco ou no caixa do supermercado, as redações
dos jornais fornecem um ambiente social especialmente fértil à
transmissão de comportamentos e condutas imitativas. O jornalista
está sujeito às mesmas forças que o restante da opinião pública,
mas carrega consigo muito mais motivos para depositar credibilidade
no seu próprio trabalho, pelas mesmas razões psicológicas
presentes no restante da sociedade: a autoafirmação, o desejo
mimético de pertencimento à classe dos informadores e a
solidariedade da categoria. Mas há algo mais.
Universidade:
onde tudo começa
Formado por pessoas oriundas das universidades, locais em que hoje vigora o vício em álcool, drogas como maconha e opiniões superficiais, o jornalista chega à redação com crenças tanto mais firmes e convictas quanto menos fundamentadas em fatos ou experiências. O ambiente universitário, especificamente o do jornalismo, fundamenta-se na disseminação de uma imagem de sociedade que independe de experiências ou vivências reais. Pelo contrário: toda experiência real deve, por força e pressão do pertencimento à nova classe, ser moldada e ressignificada dentro das categorias presentes na imagem ideológica de sociedade que foi aprendida em sala de aula. E a força persuasiva dessa imagem não está de forma alguma na força dos seus postulados, no rigor da observação, tampouco na credibilidade intelectual ou pessoal do professor. A maior força de persuasão está no próprio compartilhamento das crenças pelos membros do grupo, uma vez que isso fortalece, não a crença ou conjunto de crenças em si mesmos, mas o pertencimento do indivíduo àquela comunidade pretensamente pensante.
Formado por pessoas oriundas das universidades, locais em que hoje vigora o vício em álcool, drogas como maconha e opiniões superficiais, o jornalista chega à redação com crenças tanto mais firmes e convictas quanto menos fundamentadas em fatos ou experiências. O ambiente universitário, especificamente o do jornalismo, fundamenta-se na disseminação de uma imagem de sociedade que independe de experiências ou vivências reais. Pelo contrário: toda experiência real deve, por força e pressão do pertencimento à nova classe, ser moldada e ressignificada dentro das categorias presentes na imagem ideológica de sociedade que foi aprendida em sala de aula. E a força persuasiva dessa imagem não está de forma alguma na força dos seus postulados, no rigor da observação, tampouco na credibilidade intelectual ou pessoal do professor. A maior força de persuasão está no próprio compartilhamento das crenças pelos membros do grupo, uma vez que isso fortalece, não a crença ou conjunto de crenças em si mesmos, mas o pertencimento do indivíduo àquela comunidade pretensamente pensante.
O
fator catalisador das ideias e opções ideológicas e idealistas
está, sem sombra de dúvida, na permanente e onipresente
socialização a que o estudante universitário se vê submetido
desde a entrada às portas daquilo que crê ser o “templo do
conhecimento”. Hoje as universidades estão rodeadas de bares e
cervejarias, bem o contrário do que um ingênuo observador poderia
supor ao imaginar um campus circundado
por livrarias, cafés e museus. A vida universitária de nossas
cidades foi, já há algumas décadas, reduzida àquilo que antes era
reservado aos estratos mais baixos da vida urbana, às periferias não
apenas geográficas, mas morais. O mundo ordinário do estudante há
muito deixou de ser o das letras e das artes para precipitar-se à
mais baixa escala de existência. Uma mudança desse tipo, de graves
consequências para milhares de vidas individuais, não pode ser
esquecido quando tentamos compreender o conteúdo abjeto de notícias
advogando em favor de crimes como pedofilia, uso de drogas e
assassinatos. Também não nos deve impressionar uma decadência
desse tipo.
Cada
vez mais estudos apontam para uma verdadeira epidemia de depressão e
ansiedade em estudantes universitários. Até mesmo casos de
esquizofrenia e surtos psicóticos não são raros. A exposição a
drogas e socialização constante produz evidentemente um aumento nos
níveis de ansiedade e demandas maiores por atividade social, o que
no meio universitário é facilmente confundido com estudo, atividade
social, ativismo e uma gama de coisas vistas hoje somente em seu
caráter positivo.
A
redação
Chegada
a formatura, o jornalista recém formado se crê no direito de ser
contratado pelos jornais proeminentes e, tão logo o consiga, sabe
que tem o dever de transformar a sociedade naquilo que seus
professores o ensinaram. Mas, chegado ao ambiente social da redação,
tudo muda. Até mesmo o idealismo universitário pode ser deixado de
lado em nome da adaptação social ao novo grupo. O chefe, o colega,
os “famosos” da redação, os exemplos dos quais todos falam,
aquele repórter premiado que passa na redação distribuindo
brincadeiras íntimas sem, no entanto, aceitar muita proximidade. O
recém chegado adoraria ser amigo dele. Eis o objetivo profissional
inicial e imediato. Tão logo se tornar aceito e integrante daquelas
brincadeiras, será notado pelo editor-chefe. Este é o critério
inicial e a demora ou incapacidade de perceber isso pode representar
a ruína ou o ostracismo editorial: ser relegado à diagramação ou
a algum outro setor já previamente estigmatizado como depósito de
inúteis sociais. O inútil social é alguém que não foi capaz de
conquistar o sorriso do chefe (ou dos colegas que o fizeram) ou não
atraiu para si qualquer interesse ou simpatia, o que indicaria a
submissão às ordens dadas sempre em tom de confiança. Ordens estas
que significam obviamente opções muito claras em direção a
políticas editoriais vindas de cima.
Em
suma: todos precisam demonstrar afabilidade e flexibilidade extremas,
que beiram o puxa-saquismo e a tolerância com humilhações, para
comprovar a sua utilidade a um sistema de obediência absurdamente
rígido, mas que aparenta ser apenas um jogo social necessário ou
inevitável.
O
problema por trás do que chamamos muito genericamente de “militância
esquerdista nas redações”, não é uma questão ideológica. O
que viabiliza toda a transmissão de ideias é, na verdade, a
submissão psicológica, a dependência social em que indivíduos são
cooptados não em nome de ideais, mas da sua sobrevivência social e
profissional. Uma minoria dos jornalistas e repórteres possuem
crenças fixas e convictas. A grande massa disforme de profissionais
está apenas sujeita a uma rede de ameaças emocionais que forma um
sistema psicótico de produção de histéricos em série. Nada disso
pode ser possível sem aquela dependência longamente construída na
universidade, regada a muito álcool, drogas e uma vida moral pautada
pela imitação de comportamentos, incrementos à
hipersensibilização, distanciamento da realidade e confusão entre
realidade e mundo social abstrato.