Gosto de ir ver a orquestra.
Vou ouvi-la, também, mas gosto mesmo é de a ver:
enche-se-me a alma de uma outra forma; junto à beleza da música o encanto de
ver o homem ser como deve ser.
Dominar um instrumento musical leva muito tempo. É
preciso tornar os gestos sólidos e finos. Exige o aperfeiçoamento constante de
qualquer coisa que nasceu connosco, deve desenvolver-se dentro de nós e brotar
mais tarde, com naturalidade, como a água da fonte.
Assim solta a flor as suas pétalas: após um longo
processo.
Gosto de ir ver a orquestra. Um homem cresce longamente
por dentro de si, num tempo grande de isolamento, em esforço e privação, com o
sol do outro lado da janela, e depois parece que isso não lhe serve para
benefício próprio. Depois apaga-se, mergulha numa zona mais ou menos escura, ao
lado de outros como ele. Depois não se torna conhecido, não gritam o seu nome,
não se torna rico.
Passa despercebido.
O belo som que produz – que longamente aprendeu a
produzir – é incapaz de se encher de sentido sozinho. Alguns instrumentos podem
ser ouvidos, com agrado, sem acompanhamento; outros, nem por isso… Mas cada um
deles só se torna verdadeiramente grande quando se apaga e se faz esquecer,
passando oculto, como simples gota de água, no mar maravilhoso que é a
sinfonia.
E há uma obediência maravilhosa. Um senhor de aspecto
frágil, já com certa idade e ar de sábio, tem nas mãos uma batuta e dirige com
gestos ligeiros todos aqueles sons e todas aquelas vontades individuais. O
violinista não se liberta quando lhe apetece. E não pode brilhar: deve conter-se,
prendendo-se aos seus tempos próprios e ao papel concreto que lhe corresponde.
Há muitos olhos atentos à mão que segura a batuta. Não se
sentem constrangidos nem se revoltam. Procuram é a fidelidade ao seu pequeno
papel, a melhor forma de passarem despercebidos: a perfeição pequena que é
necessária à grande perfeição da sinfonia.
Obedecem porque querem. E eu gosto de ir ver a orquestra
também porque compreendo de novo que é possível obedecer com liberdade, e que
não é humano fazê-lo à maneira dos escravos: com raiva e de má vontade.
Há qualquer coisa extremamente desagradável na
escravatura. Não só naquela que era imposta e existiu abundantemente em tempos
antigos, mas nessa outra que muitas pessoas praticam quando são contrariadas –
porque a vida não os pode satisfazer sempre – no caminho errado da sua pequena
ambição individual.
O homem livre escolhe obedecer, para que possa existir a
sinfonia. É nela que ele se torna grande. E ama o seu papel, indiferente ao
brilho, maior ou menor, que lhe corresponda.
Não há nada maior para fazer do que a sinfonia. O homem
deseja ser grande e tem os seus sonhos. Mas se aquilo que sonha for
verdadeiramente grande, ele não poderá realizá-lo sozinho. Um homem por si só
não é capaz de construir uma ponte, ou uma estrada, ou uma universidade. Ou a
paz, ou uma família. Não educará os filhos. Não será sequer capaz de se
construir a si próprio.
É perdendo-se na sinfonia que ele se encontra a si mesmo
do tamanho que sonhou.
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