Senso Crítico

Senso Crítico

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Chapeuzinho Vermelho e lições políticas


 A estória de Chapeuzinho Vermelho nos ensina preciosas lições  políticas. Caminhando pela floresta Chapeuzinho, tão bobinha, acredita na fala do lobo, escondido no meio das árvores. Assim é o povão: acredita em qualquer coisa. Se duvidam sugiro que gastem um pouco do seu tempo olhando os programas religiosos na TV. Esses programas poderiam ser usados para avaliar o grau de inteligência e educação da população. É assombroso aquilo em que se pode acreditar!  Acredita-se em tudo, desde que um milagre seja prometido. Muito mais espertos que o lobo de antigamente, os lobos de agora valem-se da mais moderna tecnologia. Contratam “produtores de imagens…” O que é um “produtor de imagem”? É um profissional de estética que faz operações plásticas na imagem do candidato de forma que ele deixe de ser o que era, naturalmente, e fique parecido com a imagem que o povo deseja. Pois o lobo, já com a vovozinha dentro da barriga – ( Voz gutural: “Que grande goela a minha! Engoli a velha interinha!” ) - “fantasiou-se” de vovozinha. “Toc, toc, toc…”, Chapauzinho bateu à porta. “- Quem bate sem ordem minha?” – pergunta o lobo com voz grossa. -“Sou eu, Chapeuzinho…” O produtor de imagem que se escondia atrás da cabeceira da cama lhe disse logo: “Mude a voz, mude a voz…” E sua voz gutural se transforma na trêmula voz de uma velhinha indefesa: “ – Pode entrar, minha netinha…” Chapeuzinho conhecia a vovó muito bem.
Aproxima-se  da cama e, pasmem! – não percebe a diferença. As orelhas, os olhos, o focinho, os dentes, os pelos na pata, os extratos bancários na Suíça, os antecedentes de corrupção, tudo dizia: “Fuja! Não é a vovozinha!  É o lobo!” Mas Chapeuzinho era muito burra, muito burrinha mesmo. Como o povão que vê televisão, ela acreditava na “imagem”. Na estória os caçadores salvam a tonta. Mas acho que não merecia ser salva. O lobo era mais inteligente que ela. A burrice não merece ser salva. Essa estória dá duas lições negativas às crianças. A primeira é que nem sempre é sábio fazer o que a mãe manda. Uma mãe que manda uma filha por  uma floresta  onde havia um lobo só pode ser louca. Maternidade não é garantia de sanidade. A segunda é uma lição mentirosa: que não importa ser burro porque os caçadores aparecem no fim para consertar o estrago. Na vida real o fim é outro. O lobo, juntamente com os caçadores e os produtores de imagem comem Chapeuzinho Vermelho, como atestam esses anos de “democracia” no Brasil. Política não se faz com a verdade. Se faz com aparências, máscaras, imagens. Maquiavel já sabia disso e advertiu o Príncipe de que  “o que importa não é ser  virtuoso. O que importa é parecer ser virtuoso.”  É o “parecer ser “ que produz votos. Todo o processo democrático é construído sobre ilusões óticas. Há salões de beleza para as mulheres que querem ficar bonitas. E há salões de beleza para os políticos que querem ficar bonitos. Sugiro que as empresas dos produtores de imagens de políticos passem a ser chamadas pelo nome correto: “Salões de beleza para políticos”. Salão de beleza “Entra Fera e sai Bela”! 
Por que enormes transformações não passou o Lula! Passou a se  vestir de acordo com os padrões estéticos da elegância, Paris, e não segundo os padrões estéticos dos torneiros mecânicos. Ninguém se elege só com voto de torneiro mecânico. Essa mudança foi importante porque o pessoal da “prateleira de cima”, como diziam minhas tias, aprecia um homem bem vestido, especialmente em se tratando de futuro presidente. Consertou e embranqueceu os dentes. Seu sorriso provoca agora reflexos branco total radiante.  Parou de falar “menas”. Só não conseguiu aveludar a voz, que continua um pouco gutural. Mas está bem assim. É bom não exagerar na plástica. Não me entendam mal. Não estou criticando o Lula. Essa é uma das regras do jogo político democrático: é a tolice dos eleitores que elege presidentes Até o presidente Jimmy Carter teve de passar por uns  “retoques” para consertar algo no seu sorriso que não estava ao gosto do povo americano. O povo não vota pela razão. A esquerda custou a aprender a lição. Pensava que os eleitores queriam saber os fatos, a verdade. E por eleições sucessivas bombardeou os eleitores com informações verdadeiras.
Nisso a esquerda concordou com o Antônio Ermírio, quando ele se candidatou  à prefeitura de São Paulo. Lembro-me dele, na TV, paletó mal ajambrado (não se valeu dos conselhos de um “produtor de imagens”), ao lado de um quadro negro, dando uma “aula” de economia para os eleitores, como se estivesse falando aos acionistas das suas empresas! Quem trata o povo como se ele fosse inteligente perde. O povo não vota com a cabeça. Ele vota com os olhos, “vendo figuras” -  como fazem as crianças. Qual é a figura mais bonita? Assim o Collor foi eleito. Acho que se a Xuxa se candidatasse seria eleita. Tudo é um grande baile de máscaras e é preciso votar na fantasia mais bonita. Qual é a imagem do Bush? Texano, na tradição dos cowboys que, sozinhos, matam os bandidos, a imagem de Bush fica ao lado de John Wayne, homem mais macho que ele nunca houve… O povo americano não vota pela razão. Vota pelas imagens dos bang-bangs. São dois times: Os mocinhos e os bandidos. Nós somos os mocinhos….
O destino da democracia se decide no momento da sua fundação. Se os lobos são eleitos para estabelecer as regras do jogo será inútil que as ovelhas que os elegeram berrem depois ao serem transformadas em churrasco. Pois está escrito na lei: “É direito dos lobos comer ovelhas”. Os lobos democraticamente eleitos pelas ovelhas escreveram…  Não existe caso em que os lobos tenham, democraticamente, aberto mão dos direitos que eles mesmos estabeleceram. As ovelhas são as culpadas de sua desgraça. Foram elas que, pelo voto, deram poder aos lobos. 
Uma amiga perspicaz sugeriu-me que a eleição deveria ser feita à imitação do Big Brother. O Big Brother pelo menos muita gente vê – o que não acontece com a propaganda política. Os candidatos seriam colocados numa casa por um mês, sem poder sair, todo mundo poderia vê-los o tempo todo, e iriam sendo eliminados por votos do público telespectador. Pelo menos seria divertido. Um amigo que sofre de insônia acorda de madrugada e liga a TV num programa evangélico na esperança que haja algum milagre para fazer dormir…
Contou-me que num desses programas vários pastores se reuniram em torno de uma enorme taça de vidro, cheia de um óleo sagrado, vindo não sei de que montanha no oriente onde a burra de Balaão pastou. A seguir tomaram um pó dourado nas mãos – diziam que era pó de ouro, eu acho que era purpurina – e o jogaram dentro do óleo. Vinham os fiéis então, em fila, para mergulhar o dedo no óleo dourado e esfregar na testa, para ficarem ricos. Que coisa
maravilhosa! É preciso democratizar essa bênção para que todos os pobres fiquem ricos, resolvendo-se assim o problema da pobreza e da fome no  Brasil. Essa é uma pequena amostra da capacidade do povo em acreditar em qualquer besteira, desde que prometa milagre.
Nas Minas Gerais dos tempos dos meus pais e avós os partidos políticos não eram conhecidos por ideologias e programas. Partidos eram como times de futebol, cada um com a sua torcida. Ninguém torce por um time por razões de inteligência. Torce porque torce, sem razões. Acho que em Boa  Esperança, onde nasci, os dois partidos eram os “Gaviões” e as “Rolinhas”. Imagino que essa escolha de nomes não era acidental. Os Gaviões eram os que comiam as Rolinhas. Já em Lavras os dois partidos eram os “Ratos” e os “Queijos”… Os roedores e os roídos. Ah! Naqueles tempos as coisas eram mais claras. Entre nós acho que eventualmente os nomes dos partidos poderão ser substituídos por nomes de times de futebol. Aí os votos serão dados por cores de time e lealdade de torcidas. A psicologia da torcida de futebol muito se assemelha à psicologia das eleições. Carreatas, foguetórios, churrascos… Parece que esse processo já está a caminho. Um candidato a vereador se anuncia: “Bola pra frente…” O bom de substituir os partidos políticos por times de futebol é que, assim, eliminam-se as questões éticas.  No futebol não há ética. Se o juiz apita um pênalti que não existiu a favor do meu time, nenhum jogador do meu time é besta de dizer ao juiz que o pênalti não existiu… Vale para o futebol e para a política a “Lei do Gerson”: “o que importa é levar vantagem”…
 (Rubem Alves)

Nenhum comentário:

Postar um comentário