Senso Crítico

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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Tudo Ruim Mas Tudo Bem



 O “tudo bem” é uma expressão profundamente brasileira. Somos um
  povo pacífico e acomodado. Término do romance, sem dinheiro,
  brigou com a família e, após contar a desgraça inteira, diz:
                            “Mas tudo bem”.

  Na verdade, preferimos fingir que não ligamos e secretamente
 diluir o que nos chateia ou oprime, a remover o mal sob forma
  cirúrgica. Para tal, o “tudo bem” cai como luva. Revela uma
    espécie de certeza de que nada é duradouro, tudo acabará
      modificado, por mais que a rigidez pareça dominar.            
 O “tudo bem” possui duas outras leituras que latejam por dentro
 de sua significação aparente. São elas: “Não faz mal” e “deixa
             comigo que adiante eu dou um jeito”.
                                    
 “Não faz mal” quer dizer “não importa”, “não há de ser nada”,
   “tentaram me atingir mas não conseguiram”. Quer, portanto, dizer:
    “Olha, eu não desistirei; estou apenas fingindo que não ligo”.
                                    
   O “deixa comigo que adiante eu dou um jeito” revela outra
  atitude sábia do chamado caráter nacional. Eis sua tradução detalhada palavra por palavra: “Eu sei que as coisas não duram. Sei, também, que, enquanto estão quentes, as pessoas se aferram. Não adianta forçar nessas horas. É esperar a emoção, o impulso, a vontade e a teimosia passarem e, na medida em que a realidade
  tiver atuado sobre elas, diluindo o rigor anterior, então a
   gente entra na brecha e vai fazendo do jeito que quiser”.
 Na medida, portanto, em que a expressão “tudo bem”, como espelho da maneira de ser, da psicologia, do caráter e do comportamento brasileiros, possui essas duas conotações revela algumas características
  (e até virtudes) da maneira de ser brasileira; paciência; teimosia;
  capacidade de esperar; certeza de que não fará o que não quer fazer;
   confiança nos seus próprios métodos; certeza de que a realidade é
 sempre complexa e acaba se impondo com a variedade de seus resultados;
 convicção de que mexer demais nas coisas acaba atrapalhando; percepção
     de que nada é duradouro; de que é necessário criatividade para
 impedir as deformações da imposição de qualquer certeza exagerada; fé no tempo como o grande e lúcido mediador das coisas; falta de pressa; e
     certeza na própria decisão. E, também, uma certa capacidade de perdoar e encontrar desculpas para as coisas e prosseguir. O lado sábio
   do brasileiro é enrustido. Por malandragem ele finge não existir.

 Que é tudo isso? Uma teoria de acomodação? Do deixa pra depois?
   Da alienação? Estarei teorizando sobre o conformismo, uma
       característica negativa da nossa maneira de ser?


  Se é o que você acha, leitor, então tudo bem, tudo bem: mais adiante a gente se entende, ou você me entende, ou eu o entendo, tudo bem, não esquente a cabeça e vá em frente que no fim acaba  dando tudo certo. Brasileiramente. Ainda bem; isto é,
                          tudo bem. Tudo bem?


                            Artur da Távola

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