O “tudo bem” é uma
expressão profundamente brasileira. Somos um
povo pacífico e
acomodado. Término do romance, sem dinheiro,
brigou com a família
e, após contar a desgraça inteira, diz:
“Mas tudo bem”.
Na verdade,
preferimos fingir que não ligamos e secretamente
diluir o que nos
chateia ou oprime, a remover o mal sob forma
cirúrgica. Para tal,
o “tudo bem” cai como luva. Revela uma
espécie de certeza
de que nada é duradouro, tudo acabará
modificado, por
mais que a rigidez pareça dominar.
O “tudo bem” possui
duas outras leituras que latejam por dentro
de sua significação
aparente. São elas: “Não faz mal” e “deixa
comigo
que adiante eu dou um jeito”.
“Não faz mal” quer
dizer “não importa”, “não há de ser nada”,
“tentaram me
atingir mas não conseguiram”. Quer, portanto, dizer:
“Olha, eu não
desistirei; estou apenas fingindo que não ligo”.
O “deixa comigo que
adiante eu dou um jeito” revela outra
atitude sábia do
chamado caráter nacional. Eis sua tradução detalhada palavra por palavra: “Eu
sei que as coisas não duram. Sei, também, que, enquanto estão quentes, as
pessoas se aferram. Não adianta forçar nessas horas. É esperar a emoção, o impulso,
a vontade e a teimosia passarem e, na medida em que a realidade
tiver atuado sobre
elas, diluindo o rigor anterior, então a
gente entra na
brecha e vai fazendo do jeito que quiser”.
Na medida, portanto,
em que a expressão “tudo bem”, como espelho da maneira de ser, da psicologia,
do caráter e do comportamento brasileiros, possui essas duas conotações revela
algumas características
(e até virtudes) da
maneira de ser brasileira; paciência; teimosia;
capacidade de
esperar; certeza de que não fará o que não quer fazer;
confiança nos seus
próprios métodos; certeza de que a realidade é
sempre complexa e
acaba se impondo com a variedade de seus resultados;
convicção de que
mexer demais nas coisas acaba atrapalhando; percepção
de que nada é
duradouro; de que é necessário criatividade para
impedir as
deformações da imposição de qualquer certeza exagerada; fé no tempo como o
grande e lúcido mediador das coisas; falta de pressa; e
certeza na
própria decisão. E, também, uma certa capacidade de perdoar e encontrar
desculpas para as coisas e prosseguir. O lado sábio
do brasileiro é
enrustido. Por malandragem ele finge não existir.
Que é tudo isso? Uma
teoria de acomodação? Do deixa pra depois?
Da alienação?
Estarei teorizando sobre o conformismo, uma
característica
negativa da nossa maneira de ser?
Se é o que você
acha, leitor, então tudo bem, tudo bem: mais adiante a gente se entende, ou
você me entende, ou eu o entendo, tudo bem, não esquente a cabeça e vá em
frente que no fim acaba dando tudo
certo. Brasileiramente. Ainda bem; isto é,
tudo bem. Tudo bem?
Artur da Távola
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