Senso Crítico

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domingo, 5 de maio de 2013

Carta Para Falcão - O Futuro Da Humanidade



Caro amigo Falcão,
Certa vez você me disse que tanto você como o Poeta viam a assinatura de Deus nas flores, nas nuvens e também nas crises dos que possuíam transtornos psíquicos. Na época, pensei
sinceramente que isso era um delírio, que seria impossível encontrar beleza no caos. Pois bem,você tem razão. Tenho encontrado indescritível riqueza dentro daqueles que sofrem. Eles não são miseráveis nem passíveis de penúria. Precisam sim ser compreendidos, apoiados e
encorajados. Tenho encontrado um patrimônio psíquico de inestimável valor em meio às
lágrimas e desespero.
Nos portadores de psicose tenho descoberto uma criatividade espantosa. Embora os delírios e alucinações os perturbem, eles revelam uma criatividade excepcional, uma engenhosidade
intelectual sem precedentes. Nem os melhores roteiristas e diretores de Hollywood conseguiriam ter tanta imaginação. Pena que a psiquiatria clássica despreze o imenso potencial intelectual deles.
A inteligência dos portadores de psicose maníaco-depressiva me assombra. São verdadeiros
gênios. Na fase maníaca, a excitação, a rapidez de raciocínio e o volume de pensamentos que produzem os transportam para as nuvens, num estado de graça, longe da realidade. Nessa fase,têm uma auto-estima exacerbada. Acham-se imbatíveis, revestidos de um poder sobrenatural.Na fase depressiva, ao contrário, eles aterrissam sua euforia, seus pensamentos tornam-se pessimistas, levando-os a se atolar em sentimentos de culpa e viver os patamares mais baixos da auto-estima. Se aprendessem a pilotar seus pensamentos e a gerenciar o motor da sua inteligência para não abandonarem os parâmetros da realidade, brilhariam mais do que qualquer "normal". Infelizmente eles são incompreendidos, tanto por eles mesmos como pela
sociedade em que estão inseridos.
Entre as pessoas deprimidas tenho encontrado rara sensibilidade. São tão sensíveis que não possuem proteção emocional. Quando alguém as ofende, estraga-lhes o dia, a semana, o mês e,às vezes, a vida. São tão encantadoras que, sem ter consciência, vivem o princípio da coresponsabilidade inevitável de maneira exagerada. Por isso, perturbam-se com o futuro e sofrem intensamente por problemas que ainda não aconteceram. Preocupam-se tanto com os outros que vivem a dor deles! São ótimas para a sociedade, mas péssimas para si mesmas. Falcão, eu não tenho dúvida de que, se os líderes políticos tivessem uma pequena dose da sensibilidade que as pessoas deprimidas possuem, as sociedades seriam mais solidárias e menos injustas. Sinto que minha emoção é fria e seca quando comparada à deles.
Entre os que têm síndrome do pânico, tenho encontrado um desejo invejável de viver. Quando um ataque de pânico os atinge, o cérebro deles entra em estado de alerta tentando protegê-los de uma grave situação de risco, um risco virtual. Ficam taquicárdicos, ofegantes e suam muito, procurando fugir da síncope ou da morte, uma morte imaginária que só existe no teatro das suas mentes. Se aprendessem a resgatar a liderança do eu em suas crises seriam livres docárcere do medo. Quem dera os usuários de drogas, os que vivem perigosamente, os terroristas,os que promovem guerras tivessem a consciência da finitude da vida e da grandeza da existência que os portadores da síndrome do pânico possuem. Apesar do sofrimento imposto
pelo pânico, são apaixonados pela vida. Queria amar a vida como eles amam, viver cada minuto como se fosse um momento eterno.
Falcão, você tem razão em me dizer que a sociedade é estúpida. Realmente ela valoriza a estética e não o conteúdo. Estou decepcionado até com as pessoas aparentemente cultas. Não percebem que cada ser humano e em especial os que sofrem transtornos psíquicos são jóias únicas no anfiteatro da existência.
Meu desafio como psiquiatra não é apenas medicá-los ou fazer sessões de psicoterapia, mas mostrar a eles que a flor mais exuberante brota no inverno emocional mais rigoroso. Os que atravessaram seus desertos psíquicos e os superaram tornaram-se mais belos, lúcidos e ricos do que eram.
Não é isso o que aconteceu com você, meu dileto amigo? Através do drama da sua psicose você expandiu a sua nobre inteligência e se tornou um mestre, meu mestre. Agora, meus pacientes me ensinam. Em alguns momentos, aprendo mais com eles do que com meus professores. Espero que nunca morra minha capacidade de aprender.
Procurei especializar-me em psiquiatria para conhecer a fascinante personalidade humana e tratar das suas doenças. Entretanto, assim como você questionou o que era a loucura, tenho me questionado muito sobre o que é a saúde psíquica: Quem é saudável? São saudáveis meus colegas psiquiatras incapazes de receber seus pacientes com um abraço e um sorriso? São saudáveis os pais que ouvem os personagens da TV, mas não conhecem os temores e as frustrações dos seus filhos, nem têm paciência com seus erros? São saudáveis os professores que se escondem atrás de um giz ou de um computador e não conseguem falar de sua própria história com seus alunos? São saudáveis os jovens cuja emoção é incapaz de extrair muito do pouco, cujos prazeres são fugazes? E os que batalham para ganhar dinheiro, mas não sabem lutar pelo que
amam, são eles ricos ou miseráveis?
Tenho também questionado minha própria qualidade de vida. Pensei que eu era saudável, pois falo o que penso, luto pelo que amo e procuro proteger minha emoção, mas descobri que conheço apenas a sala de visita do meu próprio ser. Falta-me tolerância, afetividade, sabedoria,tranqüilidade. O dia que deixar de admitir o que me falta estarei mais doente do que meus pacientes. Obrigado por me ensinar que sou apenas um caminhante. Há muita estrada a percorrer...

Do seu amigo e admirador, Marco Polo

Extraído do livro - O Futuro Da Humanidade - de Augusto Cury

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