Senso Crítico

Senso Crítico

domingo, 1 de julho de 2012

As Palavras Irreparáveis



Algures, quase sempre em ambiente de festa, talvez junto de um altar, ela e ele pronunciavam as palavras irreparáveis.
Tinham pensado nelas e no que significavam.
Tinham deixado que o tempo corresse um bom bocado depois da passagem daquele sopro mágico que os atraíra um para o outro. Tinham-se conhecido melhor. Tinham observado bem as reações um do outro. Tinham conversado muito. Tinham construído – a partir dos planos de ambos – um único projeto.
Sabiam que o sopro mágico tinha apenas o papel de iniciar uma coisa nova; e que partiria depois de algum tempo.
Isso não os assustava.
Iam em frente, com esperança, com alegria. E continuavam, depois de chegarem as crianças, contentes por a vida se complicar. Conversavam, discordavam, retificavam, pediam perdão. Não à frente dos filhos, que tinham de se sentir seguros e não saberiam compreender; que poderiam julgar que o pai e a mãe discutiam.
Sucedia, normalmente, cedo ou tarde, o desencanto, a perda de sentido, a vontade de deixar tudo e procurar de novo, noutro lugar, um outro sopro mágico. Mas tinham empenhado a palavra. Tinham pronunciado as palavras que – dentro deles e à sua volta – não tinham retorno.
Ficavam. Iam ficando. Às vezes com prolongada dor, às vezes com um heroísmo de que não se julgavam capazes.
O tempo, porém, trazia, devagar, a calma, a alegria serena, a luz que parecia ter desaparecido. Aprendiam que o amor também passa como que por uma conturbada fase de adolescência, até que vem a tornar-se maduro, se purifica, se fortalece e embeleza.
Depois ficavam tão contentes!
Tudo tinha sido útil, tudo tinha tido o seu papel. Também a dor; também os esforços que pareciam inúteis; e as cedências e os silêncios e as humilhações.
Viam com toda a clareza como por coisa perdida tinham ganhado mil; como por cada lágrima derramada tinham oceanos de sorrisos; como por cada generosa tentativa, aparentemente frustrada, haviam recolhido cestos e cestos de consolação.
Olhavam e viam os filhos e os netos; a casa cheia de rebuliço; tranças louras; corridas atrás do gato; o indescritível prazer de voltar a contar as velhas histórias. “Avó, conta outra vez a da Cinderela”…; “Avô, é mesmo verdade que antes havia duas R.T.P.?”…
Viam, como num sonho, o passado e o futuro unidos por um nó que eram eles mesmos. Um nó que nada tinha podido quebrar e permitira o futuro, novos seres, outros sonhos tão iguais aos que eles mesmos tinham sonhado. Haviam suportado a tempestade e passado o Cabo; a Índia estava ali à frente dos olhos; o caminho, aberto para tantos e tantos cujos rostos eles nem sequer imaginavam.
Tinham tido um lugar no longo fio da vida; tinham sido alicerce e cimento; tinham as mãos cheias de sol. Nunca morreriam.
……………….
Pode parecer que estive aqui a descrever um quadro que me encantou num museu qualquer… mas não. Sei muito bem que isto, só isto, é real e verdadeiro; que só isto é de hoje e de sempre.

Paulo Geraldo

Nenhum comentário:

Postar um comentário