Senso Crítico

Senso Crítico

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Pouco a Pouco



O sol caminha sem que o vejas mover-se. E vem o entardecer e anoitece. Estás de novo em casa. Passou um dia.
Olhas-te ao espelho, um dia e outro, e não te vês crescer. É também assim que crescem as árvores e que o Inverno se torna Primavera e que a natureza produz flores e frutos, lagos e montanhas.
Pouco a pouco. Devagar. Sem que se note.
Há uma paciência imensa em tudo o que te rodeia. Um labor silencioso que alcança sempre os seus objetivos.
Pouco a pouco.
Uma semente pequena faz-se árvore grande com o tempo. E fica ali no seu lugar, sólida e generosa. Um dia, vens e abrigas-te à sua sombra. Mas essa sombra é uma obra de arte que esteve escondida por muito tempo e não pudeste acompanhar.
Não seria acertado que, na tua vida, desejasses a sombra refrescante – ou as flores, ou os frutos – sem que tivesse havido antes a semente aparentemente imóvel no lençol silencioso da terra, aquele sugar lento de minerais, a alternância repetida das estações.
Há uma grande sabedoria em saber esperar. Não me refiro a uma espera feita de inatividade e de indolência, mas àquela outra que é preenchida por pequenos passos firmes iluminados pela esperança.
A esperança não consiste simplesmente em aguardar com otimismo que a boa sorte nos bata à porta, em ter “pensamentos positivos”, mas na certeza de que aos passos corretos e constantes está prometido o objetivo bom que procuramos. Quando se vai no caminho certo, quando se trabalha nos alicerces de uma coisa boa, ter esperança é ter a certeza de que se chega.
Tudo aquilo que é bom se pode alcançar. Tudo se consegue. Pouco a pouco. A seu tempo. E há frutos que, por serem tão grandes, só chegarão depois de nós passarmos.
É bom que tenhas grandes objetivos, ideais elevados e nobres. Mas deves considerar que, precisamente por serem grandes e elevados, só podem estar no final de um caminho longo, frequentemente cheio de obstáculos; e que não é sensato procurar atalhos para chegar a eles.
Se alguém te quiser oferecer a noz descascada, a vitória sem combate, o diploma sem a sabedoria, foge depressa. Encher-te-ias de vazio.
Quando queres resultados rápidos em coisas grandes – quando prescindes do esforço prolongado, da lentidão, dos métodos apropriados a um objetivo – saltas para fora da realidade. Podes magoar-te e magoar outras pessoas. Tudo o que fizeres a partir desse ponto não te levará a nenhum lugar. Será tudo falso, por ter perdido esse ajustamento à realidade a que chamamos verdade. Hás de ver que te apodrecerá nas mãos, mais cedo ou mais tarde.

A tua impaciência, porém, não é necessariamente um defeito. Ela pode ser como o vento que empurra o navio. Serve-te dela não para te poupares a esforços, mas para te obrigares a crescer todos os dias. Para aperfeiçoares os teus gestos. Para te tornares mais capaz de ir longe e alto.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Por Que Ele Esta Ali


Algumas vezes sabemos dentro de nós que devemos fazer qualquer coisa semelhante a plantar uma árvore, mesmo sabendo que nunca comeremos dos seus frutos nem descansaremos à sua sombra. Ou descobrimos que devemos aplicar-nos não tanto ao nosso pequeno problema, mas a reconstruir as ruínas imensas que nos rodeiam. E nunca como então somos tão grandes. E nunca como então estamos tão perto de nós mesmos.
Quem compreendeu o que é a verdade amou-a. Procurou e escavou. Desejou-a para si e para os outros, porque não há outra luz. Depois sofreu por ela, porque em toda a volta a mentira é poderosa. E continuou, sem se calar, com esse amor e a sua dor.
Quem vive para a família é habitado por ela e torna-se maior e faz o que nunca faria se vivesse para si mesmo.
Aquele que escutou os gritos silenciosos das crianças assassinadas antes de verem a luz – e as dores das mães enganadas que sofrem sem remédio – leva consigo o maior peso do mundo. Aparentemente pode pouco contra aqueles que se instalaram nos lugares onde se fazem as leis e se manobram televisões e jornais. Mas é um gigante todo aceso. Queima. E são os seus braços que sustentam este mundo doente.
E há o que quis ser médico não para garantir uma vida cómoda, mas para devolver ao mundo sorrisos que se tinham perdido. E o que sofre em si toda a fome de África. E o que se enamorou da justiça. E aquele que cuida de crianças incuráveis.
Uma vez perguntaram a um alpinista por que desejava escalar o alto pico nevado. Respondeu: “Porque ele está ali”. Queria com isso dizer a naturalidade do encontro do homem com o seu sonho, com a sua tarefa, consigo mesmo.
É triste viver sem grandeza. É como estar longe de nós mesmos. É ver apenas as sombras do mundo e da vida. É, de algum modo, não viver…
As coisas grandes são aquelas que o amor nos leva a fazer, e muitas vezes realizam-se por meio de pequenos gestos. Fazem-se pisando os nossos apetites e gostos, abandonando o cómodo estojo no qual temos tendência a encerrar a nossa existência.
Um dia sabemos que temos de partir. Que temos de fazer da vida uma outra coisa. Simplesmente isto. E vamos…
Nunca mais a paz de sermos inúteis; nunca mais os prazeres que não saciam, nunca mais a ânsia de segurança que nos vai roendo a juventude e a alegria.
É difícil subir o monte altíssimo. É preciso trocar tudo pelo instante mágico de chegar ao cume. Ali tudo é radicalmente verdadeiro: não é possível fingir que se vai a caminho. Deixam-se as forças na íngreme escalada, rasga-se a pele nos rochedos, abandona-se o aconchego do calor do corpo ao vento e à neve e ao gelo. Caímos e apetece-nos ficar por ali. Por vezes não sabemos se conseguimos dar mais um passo.
Mas é tão belo! Só ali se respira verdadeiramente. Só ali se vêem todas as coisas com o seu verdadeiro relevo e com as suas cores verdadeiras. Só ali um homem se sente realmente rico – ele que deixou tudo lá em baixo.
Os amigos que se fazem na montanha duram para sempre: nasceram da magra ração repartida debaixo das estrelas, de se apoiarem uns aos outros quando o que estava em jogo era a vida ou a morte, de cantarem juntos, das longas confidências testemunhadas apenas pelo vento.
Na montanha os amigos não são descartáveis companheiros de divertimento: precisam mesmo uns dos outros, fazem parte uns dos outros, uns são os outros.
Os que ficaram lá em baixo chamam-nos loucos. Encolhemos os ombros: esses queridos estão vivos, mas ainda estão mortos. Uma pessoa não vive quando vive apenas para si mesma. Não se vive sem sal, sem risco, sem aventura. Estão a precisar de uma inundação de alegria.
E tu? Eu quereria que partisses. Não necessariamente de um lugar para outro, mas para fora de ti. Para onde precisam de ti. Para te encontrares.

E, se às vezes te falo de paciência, digo-te agora que te apresses. Tenho pressa de te conhecer. Se também eu for corajoso, havemos de nos encontrar e saberei o teu nome. Trocaremos um abraço forte e saberemos que era necessário que nos encontrássemos.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Nada Por Cima, Nada Por Dentro


Temos a clara sensação de que este nosso tempo – que se encheu de agitação, de ruído e de festa – carece de alegria.
São poucas as pessoas alegres, essas que têm lá dentro qualquer coisa que não sabemos bem se é arco-íris ou fonte: qualquer coisa que transborda em graça, em elegância, em riso verdadeiramente puro.
Quando nos rimos é sempre de passagem; é sempre para esquecer que não encontramos motivos para rir. O nosso riso não passa de um esgar tolo, que não vem de dentro.
Este tempo é triste.
E a razão é que procuramos demasiado a felicidade. Procuramo-la com obsessão, com todos os meios – quase sempre com os meios errados; trazemo-la constantemente na boca; consideramo-la um direito nosso, a ponto de acharmos lícito eliminar qualquer coisa, exterior a nós, que consideramos opor-se a ela.
Tinham-nos dito – mas acabamos por o esquecer, por tanto corrermos na confusão em que deixamos que se transformasse a nossa vida – que era preciso renunciar à felicidade para se ser feliz…; que a felicidade consistia em aceitarmos ser infelizes, sem nos importarmos com isso.
Outrora, os homens aceitavam a vida como uma sucessão de dias, durante os quais havia que cumprir uma missão, uma tarefa, um ideal. Esses objetivos que tinham eram sempre qualquer coisa que se localizava fora deles e muito acima. Eram qualquer coisa tão grandiosa que merecia que eles se gastassem no seu cumprimento, muitas vezes até ao extremo de darem a vida por ela.
Consideravam muito justo e natural renunciar ao seu consolo, ao seu conforto, à sua comodidade, para obterem um bem relacionado com a família, com a pátria, com Deus…
Tinham a noção de que eram construtores.
Trocavam-se por esses bens. Adiavam a felicidade. Renunciavam a ela.
Mas cumpriam-se.
E era quase sempre com surpresa que um dia olhavam para si mesmos e se descobriam… felizes.
Tinham dado um sentido à vida. Tinham vidas cheias.
Mas nós… Começamos por perder Deus, porque ouvimos dizer que talvez não existisse e isso dava um certo jeito a determinada parte obscura de nós. Logo a seguir, naturalmente, perdemos o sentido de pátria. E há bastante tempo que começamos a perder a família.
Apagamos do horizonte, portanto, tudo aquilo que estava acima de nós. Já não nos submetemos; já não precisamos de servir; somos os maiores.
Resolvemos ser autossuficientes. Quebramos todos os laços. E – por confusão – chamamos liberdade a isso…

Mas se não existe nada acima de nós, de quem receberemos a felicidade? Devíamos pensar nisto: por mais tontos que sejamos, somos capazes de compreender que não possuímos a capacidade de darmos a nós mesmos a felicidade…