Senso Crítico

Senso Crítico

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Carta a Gepetto


Carta a Gepetto

Caro Gepetto, o que é feito da sua vida?
Ouço aqui e ali boatos de que você se aposentou depois de tantas preocupações que teve com sua última (?) criação...Pinóquio. Custa-me a acreditar nisto. A marcenaria era sua paixão, e ninguém se aposenta  do amor, do que lhe dá prazer. Sabe o que eu acho? Acho que você andou trabalhando duro tentando aperfeiçoar suas novas criações  instruindo outros artesãos na sua arte. Digo isto porque praticamente todos os dias me deparo com criações que de alguma forma me remetem a sua obra mais famosa. Tudo indica que você ou seus sucessores aderiram à produção em série consagrada por Ford, pois as criações parecem ter se multiplicado e se espalhado mundo afora com uma velocidade espantosa. Podemos até ver algumas delas no comando de carros....mentem que sabem dirigir. Verdade seja dita, conseguiu-se um avanço considerável: a mentira já não faz mais crescer o nariz dos Pinóquios, se me permite chama-los assim. As novas tecnologias de produção e o cuidado com o meio ambiente fizeram com que alterassem também o material de que eles são feitos. De madeira agora só se confecciona o rosto. Todo o resto é de silicone, material muito em moda agora.
Assim como o primeiro Pinóquio, estes de agora também tem uma forte ligação com o circo. Não, não trabalham em circo, já que o circo anda um tanto quanto fora de moda agora. Mas por onde quer que andem a palhaçada e os malabarismos são uma garantia. Outra coisa que anda fora de moda agora é a repulsa pela mentira. Isto abriu um campo de trabalho imenso para eles:
 - eles estão na música.....fingindo que cantam
 - na literatura fingem que escrevem verdadeiros best sellers
 - na pedagogia, fingem que sabem. Não, a culpa não é deles. Quem os preparou também fingia que sabia
 - na filosofia, fingindo que pensam
 - na medicina, fingem que se importam com você
 - nas artes, principalmente nas abstratas, onde pintam e contratam alguém para explicar o que pintaram.
 - no governo, fingem que fazem...mas vou lhe confessar...quando realmente fazem, nem a fadinha prá dar jeito
 - na mídia, fingem que formam opinião, quando na verdade, deformam.
 - eles estão nos lares, fingindo para o companheiro que ele(a) é o único. Fiara o/a amante dizem que os papéis da separação estão tramitando.
 - nas cadeias, eles dizem que não tiveram outra escolha. Mentem que os crimes passionais foram por amor.
E nada do nariz crescer.  

Claro que o mundo não é só dos Pinóquios. Tem muito Gepetto por aqui ainda...mas sinto falta das fadas. Dizem que fadas não existem, mas eu continuo acreditando nelas, pois se Pinóquios existem, por que não fadas? 

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Despedida


Existem duas dores de amor:
A primeira é quando a relação termina e a gente,
seguindo amando, tem que se acostumar com a ausência do outro,
com a sensação de perda, de rejeição e com a falta de perspectiva,
já que ainda estamos tão embrulhados na dor
que não conseguimos ver luz no fim do túnel.

A segunda dor é quando começamos a vislumbrar a luz no fim do túnel.

A mais dilacerante é a dor física da falta de beijos e abraços,
a dor de virar desimportante para o ser amado.
Mas, quando esta dor passa, começamos um outro ritual de despedida:
a dor de abandonar o amor que sentíamos.
A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de ficar livre,
sem sentimento especial por aquela pessoa. Dói também…

Na verdade, ficamos apegados ao amor tanto quanto à pessoa que o gerou.
Muitas pessoas reclamam por não conseguir se desprender de alguém.
É que, sem se darem conta, não querem se desprender.
Aquele amor, mesmo não retribuído, tornou-se um souvenir,
lembrança de uma época bonita que foi vivida…
Passou a ser um bem de valor inestimável, é uma sensação à qual
a gente se apega. Faz parte de nós.
Queremos, logicamente, voltar a ser alegres e disponíveis,
mas para isso é preciso abrir mão de algo que nos foi caro por muito tempo,
que de certa maneira entranhou-se na gente,
e que só com muito esforço é possível alforriar.

É uma dor mais amena, quase imperceptível.
Talvez, por isso, costuma durar mais do que a ‘dor-de-cotovelo’
propriamente dita. É uma dor que nos confunde.
Parece ser aquela mesma dor primeira, mas já é outra. A pessoa que nos
deixou já não nos interessa mais, mas interessa o amor que sentíamos por
ela, aquele amor que nos justificava como seres humanos,
que nos colocava dentro das estatísticas: “Eu amo, logo existo”.

Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo.
É o arremate de uma história que terminou,
externamente, sem nossa concordância,
mas que precisa também sair de dentro da gente…
E só então a gente poderá amar, de novo.